O joo do anjo Carlos Ruíz Zafón - O Jogo do Anjo | Page 36
PDL – P ROJETO D EMOCRATIZAÇÃO
DA
L EITURA
tarde, desceu para abrir e, assim que viu meu rosto, todos os vestígios de aborrecimento
desapareceram. Ajoelhou-se diante de mim e apertou-me nos braços.
— Meu Deus! Está bem? Quem lhe fez isso?
— Ninguém. Eu caí.
Estendi o livro.
— Vim devolver porque não quero que nada aconteça com ele...
Sempere ficou me olhando sem dizer nada. Pegou-me em seus braços e subiu comigo
para o apartamento. Seu filho, um menino de 11 anos, tão tímido que eu não lembrava ter
escutado sua voz algum dia, tinha acordado ao ouvir o pai sair e esperava no patamar da
escada. Ao ver o sangue em meu rosto olhou para o pai, assustado.
— Chame o Dr. Campos.
O menino fez que sim e correu para o telefone. Ouvi sua voz e comprovei que não era
mudo. Entre os dois, acomodaram-me na cadeira da mesa de jantar e limparam o sangue
dos ferimentos, à espera da chegada do médico.
— Não vai me dizer quem foi?
Não abri a boca. Sempere não sabia onde eu morava e eu não queria que tivesse
nenhuma idéia.
— Foi seu pai?
Desviei os olhos.
— Não. Eu caí.
O Dr. Campos, que morava a quatro ou cinco portas dali, chegou em cinco minutos.
Examinou-me dos pés à cabeça, apalpando os roxos e fazendo curativos nos cortes com
toda a delicadeza possível. Era claro que seus olhos ardiam de indignação, mas não disse
nada.
— Não há fraturas, mas temos algumas contusões que vão durar e doer por alguns
dias. E esses dois dentes tem que ser extraídos. Estão perdidos e há risco de infecção.
Quando o médico saiu, Sempere preparou um copo de leite morno com chocolate e
me observou beber, sorrindo.
— Tudo isso para salvar Grandes Esperanças, hein?
Dei de ombros. Pai e filho olharam-se com um sorriso cúmplice.
— Da próxima vez que quiser salvar um livro, mas salvá-lo de verdade, não arrisque a
vida. Basta falar comigo e eu o levo a um lugar secreto onde os livros nunca morrem e
ninguém pode destruí-los.
Olhei para eles, intrigado.