O joo do anjo Carlos Ruíz Zafón - O Jogo do Anjo | Page 28
PDL – P ROJETO D EMOCRATIZAÇÃO
DA
L EITURA
ANDREAS CORELLI
Editor Éditions de la Lumière
Boulevard Saint-Germain, 69, Paris
No verso havia uma anotação escrita à mão.
Querido David, a vida é feita de grandes esperanças. Quando estiver pronto para
transformar as suas em realidade, entre em contato comigo. Estarei esperando. Seu amigo
e leitor,
A.C.
Peguei minha roupa no chão e me vesti. A porta do quarto já não estava trancada.
Percorri o corredor até o salão, onde o gramofone tinha silenciado. Não havia sinal da
menina nem da mulher de cabelo branco que tinha me recebido. O silêncio era absoluto. A
medida que avançava, tinha a impressão de que as luzes às minhas costas iam se
apagando e corredores e quartos mergulhavam lentamente na escuridão. Saí para a
entrada e desci as escadas de volta ao mundo, sem ânimo. Ao chegar à Rua, segui em
direção à Rambla, deixando a confusão e a multidão dos locais noturnos para trás. Uma
névoa tênue e cálida subia do porto e os reflexos das vidraças do hotel Oriente a tingiam
de um amarelo sujo e poeirento no qual os transeuntes sumiam como desenhos de vapor.
Comecei a caminhar enquanto o perfume de Chloé começava a evaporar de meu pen-
samento. Fiquei me perguntando se os lábios de Cristina Sagnier, a filha do motorista de
Vidal, teriam o mesmo sabor.