O joo do anjo Carlos Ruíz Zafón - O Jogo do Anjo | Page 17

PDL – P ROJETO D EMOCRATIZAÇÃO DA L EITURA que havia e olhou-me com displicência. Não era difícil imaginar a impressão que meu modesto lar devia lhe causar. — E então, o que acha? — Encantador. Vou acabar me mudando para cá também. Pedro Vidal vivia em Villa Helius, um monumental casarão modernista de três andares e terraço, recostado nas ladeiras que, do cruzamento das Ruas Abadesa Olzet e Panamá, subiam pelo bairro de Pedralbes. A casa tinha sido presente de seu pai há dez anos, com a esperança de que assentasse a cabeça e formasse uma família, projeto no qual Vidal já acumulava mais de uma década de atraso. A vida tinha abençoado dom Pedro Vidal com muitos talentos, entre eles o de decepcionar e ofender seu pai com cada gesto e cada passo que dava. Vê-lo confraternizando com indesejáveis como eu não ajudava. Lembro de uma vez em que visitei meu mentor para entregar uns papéis do jornal e tropecei com o patriarca do clã Vidal numa das salas da Villa Helius. Ao me ver, o pai de dom Pedro ordenou que fosse pegar um copo de água com gás e um pano limpo para limpar uma mancha em sua lapela. — Creio que está me confundindo, senhor. Não sou empregado... Lançou-me um sorriso que esclarecia a ordem das coisas no mundo sem necessidade de palavras. — Quem está se confundindo é você, meu rapaz. É um empregado, mesmo que não saiba disso. Como se chama? — David Martín, senhor. O patriarca saboreou meu nome. — Siga meu conselho, David Martín. Saia dessa casa e volte ao lugar a que pertence. Evitará muitos problemas, além de evitá-los para mim também. Nunca confessei a dom Pedro, mas, imediatamente, saí correndo até a cozinha em busca da água e do pano e passei 15 minutos limpando o paletó do grande homem. A sombra do clã era enorme, e por mais que dom Pedro gostasse de afetar um ar de boemia, toda a sua vida era uma extensão da rede familiar. Convenientemente, a Villa Helius ficava situada a cinco minutos da grande mansão paterna, que dominava a parte superior da avenida Pearson, num amontoado suntuoso de balaustradas, escadarias e mansardas que contemplavam a cidade de Barcelona a distância, como uma criança contempla seus brinquedos caídos. Todo dia, uma expedição de dois empregados e uma cozinheira da casa grande, como a vizinhança costumava chamar a residência patriarcal, comparecia à Villa Helius para limpar, polir, passar, cozinhar e acolchoar a existência de meu abastado