O joo do anjo Carlos Ruíz Zafón - O Jogo do Anjo | Page 16

PDL – P ROJETO D EMOCRATIZAÇÃO DA L EITURA velho de todos, um infeliz chamado Heliodoro que, quando jovem, teve aspirações de ser um grande toureiro, mas que só tinha chegado a comentarista e encarregado dos banheiros da praça Monumental. — A arte de tourear morreu — proclamava. — Agora não passa de um negócio de donos de gado ambiciosos e toureiros sem alma. O público não sabe distinguir entre tourear para uma massa ignorante e a tourada artística, que só os entendidos sabem apreciar. — Ah, dom Heliodoro, se tivessem lhe dado uma oportunidade, a história seria outra. — É que neste país só os incapazes têm vez. — Nem me diga. Depois do sermão semanal de dom Heliodoro, chegava a hora da festa. Amontoados como sardinhas junto à janelinha do quarto, os moradores podiam ver e ouvir através de uma clarabóia os ruídos de uma vizinha do prédio ao lado, Marujita, apelidada de Piquillo, por causa de seu vocabulário picante e de sua generosa anatomia em forma de pimentão. Marujita ganhava dinheiro fazendo faxina em estabelecimentos ordinários, mas dedicava domingos e festas a um namorado seminarista, que vinha de Manresa para a cidade de trem, incógnito, e se entregava com vontade e brio ao conhecimento do pecado. Estavam meus companheiros de alojamento espremidos na janela para captar uma visão fugaz das titânicas nádegas de Marujita em pleno vaivém, espalhadas como massa de bolo de Páscoa contra o vidro da clarabóia, quando a campainha da pensão tocou. Diante da falta de voluntários para responder, arriscando-me a perder um lugar com boa visão do espetáculo, desisti do meu esforço para fazer parte do coro e caminhei até a porta. Ao abrir, topei com uma visão insólita e improvável em circunstâncias tão miseráveis. Dom Pedro Vidal em todo o seu gênio, esplendor e terno de seda italiana sorria na entrada. — Fez-se a luz — disse, entrando sem esperar convite. Vidal parou para examinar o salão que fazia as vezes de refeitório e sala de visitas daquele buraco, e suspirou de desgosto. — Acho que é melhor irmos para o meu quarto — sugeri. Levei-o até os meus aposentos. Os gritos e aplausos de meus colegas em honra a Marujita e suas acrobacias eróticas enchiam as paredes de júbilo. — Que lugar mais alegre — comentou Vidal. — Faça o favor de passar à suite presidencial, dom Pedro — convidei. Entramos e fechei a porta. Depois de uma sumaríssima olhada ao redor, sentou-se na única cadeira