PDL – PROJETO DEMOCRATIZAÇÃO DA LEITURA
reconhecimento em qualquer âmbito profissional era, sem exceções, prova irrefutável de incapacidade e falta de merecimento.
Diante daquela inesperada e abominável reviravolta dos acontecimentos, Vidal ainda tentava me animar, mas eu começava a suspeitar que meus dias na redação estavam contados.
— A inveja é a religião dos medíocres. Ela os reconforta, responde às angústias que os devoram por dentro. Em última análise, apodrece suas almas, permitindo que justifiquem sua própria mesquinhez e cobiça, até o ponto de pensarem que são virtudes e que as portas do céu se abrirão para os infelizes como eles, que passam pela vida sem deixar outro rastro senão suas toscas tentativas de depreciar os demais, de excluir e, se possível, destruir quem, pelo mero fato de existir, coloca em evidência sua pobreza de espírito, de mente e de valores. Bem aventurado aquele para quem os cretinos ladram, pois sua alma nunca lhes pertencerá.
— Amém— concordava dom Basilio.— Se você não tivesse nascido rico, poderia ser padre. Ou revolucionário. Com sermões assim, até o bispo se ajoelha arrependido.
— Certo, podem rir— eu protestava.— Mas sou eu que eles não querem ver nem pintado.
Mas afora o leque de inimizades e ciúmes que meus esforços me angariavam, a triste realidade é que, apesar de minhas glórias de autor popular, meu salário só dava para sobreviver, comprar mais livros do que teria tempo de ler e alugar um quartinho numa pensão escondida numa viela junto à Rua Princesa, administrada por uma galega devota que respondia pelo nome de dona Carmen. Dona Carmen exigia discrição e mudava os lençóis uma vez por mês e, portanto, aconselhava aos residentes que se abstivessem de sucumbir às tentações do onanismo e de entrar na cama com roupas sujas. Não era necessário restringir a presença de mulheres nos quartos, porque não havia uma única mulher em toda Barcelona que concordasse em entrar naquele buraco, nem sob ameaça de morte. Lá aprendi que nessa vida quase tudo se esquece, a começar pelos cheiros, e que, se eu aspirava a alguma coisa nesse mundo, era não morrer num lugar como aquele. Nos momentos difíceis, que eram a maioria, dizia comigo mesmo que se alguma coisa podia me tirar de lá antes que um surto de tuberculose o fizesse, era a literatura, e se isso espicaçava a alma de certas pessoas, ou as vergonhas, por mim elas podiam ir para o quinto dos infernos.
Aos domingos, na hora da missa, quando dona Carmen partia para seu encontro semanal com o Altíssimo, os hóspedes aproveitavam para se reunir no quarto do mais