O joo do anjo Carlos Ruíz Zafón - O Jogo do Anjo | Page 12
PDL – P ROJETO D EMOCRATIZAÇÃO
DA
L EITURA
— Leve isso para a gráfica e mande rodar — disse a voz às minhas costas. Virei,
pensando que era objeto de uma brincadeira cruel; dom Basilio abriu a gaveta da
escrivaninha, contou dez pesetas e colocou-as sobre a mesa.
— Isso é seu. Sugiro que compre outro terno, pois faz quatro anos que o vejo por aí
com esse que, ainda por cima, é seis números maior que você. Se quiser, procure o Sr.
Pantaleoni na alfaiataria da Rua Escudellers e diga que fui eu quem mandou. Vai tratá-lo
bem.
— Muito obrigado, dom Basilio. — Foi o que farei.
— E vá preparando outra história como essa. Vou lhe dar uma semana para isso. Mas
não durma no ponto. E vamos ver se bota menos mortos, que o leitor de hoje gosta de um
final bem meloso, em que a grandeza do espírito humano triunfa e outras baboseiras mais.
— Sim, dom Basilio.
O subdiretor deu como aceita a instrução e estendeu a mão. Apertei-a.
— Bom trabalho, Martín. Segunda-feira quero vê-lo na mesa que era do Junceda e
que agora é sua. Vou colocá-lo na editoria de polícia.
— Não vou desapontá-lo, dom Basilio.
— Não, não vai. Mas cedo ou tarde me deixará na mão. E fará bem, pois não é um
jornalista e nunca será. Mas também não é um escritor de romances policiais, embora
pense que sim. Fique por aqui uma temporada e poderemos lhe ensinar duas ou três
coisas que nunca serão demais.
Naquele momento, com a guarda baixa, fui invadido por um sentimento de gratidão
tão grande que tive vontade de abraçar aquele homenzarrão. Dom Basilio, a máscara feroz
de volta ao lugar, cravou-me um olhar de aço e indicou a porta.
— Nada de cenas, por favor. Feche quando sair. Por fora. E feliz Natal.
— Feliz Natal.
Na segunda-feira seguinte, quando cheguei à redação disposto a ocupar pela primeira
vez a minha própria escrivaninha, encontrei um envelope de papel pardo com um laço e
meu nome no mesmo tipo que vinha datilografando há anos. Abri e encontrei a última
página do jornal de domingo, com minha história marcada e um bilhete que dizia:
"Isso é só o começo. Em dez anos, eu serei o aprendiz e você, o mestre. Seu amigo e
colega, Pedro Vidal."