Neicelara Direito ambiental | Page 19

Planeta Verde JUNHO/2017

cercana é o despejo de esgoto e lixo do-méstico diretamente no manancial, que ainda não tem um plano de recursos hí-dricos, apesar de esse ser um instrumen-to de gestão previsto na lei nº 9.433, de 1997.

Biodiversidade ameaçada

Apesar de não haver um levantamento, somente uma observação por parte de ambientalistas e da própria população que vive no entorno, o resultado da degradação sistemática do rio Cubatão do Sul está no comprometimento da variedade fauna e flora. Se no percurso foram avistadas poucas garapuvus (ár-vore símbolo da região, que já fora usada em muito para construção de canoas), e muitas plantas exóticas (como o pinheiro explorado pelas madeireiras) o mesmo acontece com as espécies animais. As aves são escassas e, em mais de 30 quilô-metros, só dois pescadores tentavam a sorte nas margens do Cubatão do Sul — nenhum deles havia garantido o pescado do dia no momento que a reportagem navegava em frente ao caniço —, en-quanto proliferam-se as capivaras.

— Costumava dar muito robalo aqui, mas hoje está difícil — disse um dos ho-mens, comprovando a existência até de variedades originárias do mar, mas que costumam "subir" os rios para reprodu-zir-se no que deveria ser um "berçário".

A possível explicação para a sequência de dias ruins na pesca estava logo abaixo dele: um cano despejava esgoto desen-freadamente na água que, ao redor, acu-mulava-se espumosa. A poucos quilô-metros dali, está localizada uma estação de captação da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan) que, quanto mais turbidez apresenta o fluido, mais compostos químicos devem ser adicionados ao tratamento, que se torna mais lento e custoso. Os ambientalistas dizem que o efluente retorna ao leito em cor avermelhada, indicando a presença de fosfato, mas a Casan garante que a devolução respeita a legislação ambi-ental vigente e que, recentemente, in-vestiu R$ 5 milhões para aperfeiçoar o sistema de tratamento no local.

Outra suposta razão para a queda na biodiversidade está na sequência de plantações bastante próximas às margens, que colocam a água em contato com agrotóxicos, especialmente vindos do tomate e, em menor escala, da cana de açúcar, do milho e de hortaliças. As culturas ainda convivem com a atividade pecuária, tudo bem próximo à margem. Assim, é mantido o ciclo de poluição e degradação ambiental de um dos mais importantes rios de Santa Catarina.

Coliformes fecais

Como o próprio nome indica, o Instituto Sea Shepherd concentra seu ativismo no mar. Mas a organização não-governamental decidiu, mais recentemente, também contemplar nas ações o rio Cubatão do Sul, principalmente pelo encontro das águas doces e salgadas que acontece na foz, em Palhoça. Em fevereiro, então, realizou expedição para coletar e, posteriormente, analisar em laboratório a qualidade da água em cinco pontos. Segundo o laudo apresentado pelos ambientalistas, todos os trechos apresentaram resultados acima dos limites estabelecidos pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente. A concentração de coliformes termotolerantes — bactérias normalmente encontradas no intestino humano e animal — chegam a níveis quase dez vezes maiores do que o permitido na altura da captação da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan).

— Esse foi o principal problema, mas há outros. Se começássemos respeitando a mata ciliar, 50% já estaria resolvido. É possível recuperar este rio em dois anos, mas isso depende do engajamento de todos, inclusive da sociedade, porque todos nós somos responsáveis — pontua o diretor do Instituto Sea Shepherd em Santa Catarina, Hugo Malagoli.

A Casan disse, por meio de sua assessoria, que não tem gerência sobre o desrespeito à mata ciliar e a manutenção da atividade pecuária e de agricultura nas margens do Cubatão do Sul, que impactam na qualidade da água que vai ser tratada. "A Casan também lamenta que a água chegue dessa forma à captação. Porém, o tratamento natural (flocodecantação) e os produtos químicos (cloro, flúor e outros permitidos por lei) retiram 100% destes coliformes, conforme demonstram os relatórios encaminhados periodicamente à Vigilância Sanitária do Estado e do município de Santo Amaro", complementa a nota enviada por e-mail.

Com relação à coleta de esgoto, a empresa lembra que tem competência somente sobre o município de Santo Amaro da Imperatriz que, segundo informa, é o único do entorno que dispõe de rede de coleta e tratamento. "Estamos lançando mais uma obra de R$ 4,2 milhões para ampliar a cobertura na cidade. Esta obra aumentará para 75% a cobertura de Santo Amaro, o que será um dos maiores percentuais do país", escrevem.

Força-tarefa para inibir crimes ambientais

Pela assessoria de imprensa, a prefeitura de Santo Amaro da Imperatriz informou que o secretário de desenvolvimento econômico e meio ambiente, Joaquim Cunha, tomou posse nesta semana e, assim que possível, vai se reunir com o instituto. "Também entraremos em contato com a Casan para que eventuais ligações de esgoto doméstico sejam regularizadas ou lacradas e, junto às prefeituras dos municípios vizinhos, para a criação de uma força- tarefa para inibir crimes ambientais, derramamento de esgoto doméstico ou industrial, revitalização da mata ciliar e campanhas educativas junto às escolas e à comunidade", disseram.

Já a prefeitura de Palhoça defende em comunicado enviado à reportagem que "grande parte da carga de poluentes deste rio é proveniente de outros municípios, e que o município de Palhoça deve, também, adequar-se para realizar a preservação deste recurso hídrico de suma importância para a região". A administração pública garante que "está em fase final de elaboração o projeto básico e executivo de esgotamento sanitário que contempla todo o espaço territorial de Palhoça" e que, com isso, "será possível obter os recursos necessários para as obras do sistema de esgotamento sanitário", que atualmente são inexistentes. A homologação da licitação de coleta de resíduos pretende iniciar a coletiva seletiva municipal, ainda conforme a assessoria de comunicação.

Procurada por e-mail, a Fundação do Meio Ambiente disse em nota que "fiscaliza apenas o que licencia", mesmo o rio Cubatão do Sul integrando o Parque Nacional da Serra do Tabuleiro e, portanto, estar sob o guarda-chuva do órgão estadual. A Fatma ainda reforçou a existência de dois canais disponíveis para denúncia de crimes ambientais: o site da ouvidoria (www.ouvidoria.sc.gov.br) e o telefone 08006441523.

Foto: Betina Humeres / Agência RBS

Apesar de preconizadas em lei, não há mata ciliar suficiente ao longo do manancial

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