My first Magazine Revista Sarau Subúrbio ed 02 | Page 13

Como o solicitante gozava de pouco ou nenhum prestígio político junto ao superintendente este não só não negou o pedido como o atendeu prontamente. Entretanto para demonstrar e deixar bem evidente a forma do seu apreço eu, uma bola imprestável, fui cedida. Este gesto mais tarde lhe custou muito caro, mas isto é papo para uma outra vez. O candidato não promissor, na avaliação do superintendente, percebeu e se enterneceu com o meu problema e me trouxe, com urgência, para ser examinada pelo seu Domingos; diagnóstico: um defeito congênito na válvula que me causava uma lenta e contínua perda de ar. Seu Domingos restaurou a minha válvula e desde então eu participo, com destaque, do início de todas as partidas que ele organiza. Passei a ser o seu amuleto, o símbolo de todas as suas campanhas. Nova, mas restaurada, já não sinto esperanças e nem tenho mais a pretensão de desfilar nos grandes estádios sob tratos de profissionais do esporte. No entanto estou sendo preparada para brilhar numa pelada lá na Granja do Torto! — Tudo é possível minha amiga, não esqueça que todos dizem que o mundo é como a gente: pequeno e redondo! Estaremos torcendo por você e lembre de nós quando lá estiver! — disse, euforicamente, Talismã iniciando seu relato. — Eu também nunca rolei fora do sítio do Chico, mas me envaideço com isto, embora não conheça outro estádio. Viajei com ele todas às vezes que ele foi para o exterior esperançosos de desfilarmos por algum estádio ou mesmo em um campinho de várzea, mas isto nunca foi possível. No entanto, durante muitos anos, todas as segundas e quintas, eu entrei em jogo e fui às redes milhares de vezes. Artistas de todos os quilates, inclusive do futebol me tocaram. Durante o meu período de reinado absoluto, o Politeama, time do Chico, ficou invicto por muito tempo, sabem por quê? Porque nós éramos cúmplices e tínhamos um trato: eu só visitava os fundos das redes do time dele, quando ia! Um número de vezes menor do que a do adversário. Cansei de dar em cima do goleiro dele, às vezes ele não chegava junto e nem me pegava, aí eu batia com raiva na trave ou, então, saía fula da vida pela linha de fundo. Frustração eu não tenho, muito pelo contrário! Mas, no meu íntimo, carrego uma pequena mágoa. O Chico, apaixonado que é por uma bola, nunca fez uma música para nós! Finalizou Talismã acrescentando uma forte dose de dramatização a última frase. — Que Chico é este, que você se infla de tanto orgulho quando fala dele? — questionou madame Semitri, esforçando-se para esconder uma ponta de despeito, mas revelando todo conteúdo de inveja por tamanha veneração. — Chico Buarque de Holanda! — disse Talismã, enfatizando cada sílaba do nome, sem conseguir disfarçar a ansiedade com que aguardava para responder a tão esperada pergunta. Benê, uma inveterada sonhadora, que adora analisar tudo sob a óptica dos contos de fada, curiosa de como se originou o relacionamento, perguntou: — Quando vocês se viram pela primeira vez? Talismã, agora centro de todas as atenções, deixou escapar um riso matreiro, enquanto enxugava o suor que brotava das suas costuras.