— Bem! Foi amor à primeira vista. Estávamos todas em exposição na vitrine da loja quando alguém gritou: Vejam é o Chico Buarque! Todas rolamos para a vidraça. Ele, que já estava alguns passos adiante da vitrine, deve ter percebido a movimentação e virou a cabeça curioso. Todas voltaram para seus lugares, assim que ele deu meia volta, menos eu, que fiquei paralisada encarando-o admirada. Ele entrou na loja e voltou com o vendedor e apontou para mim dizendo: Eu quero esta! Todas, com exceção de madame Semitri, exibiam um semblante de admiração e adoração. Para não perder a sua majestade na rodinha, madame Semitri exibida retomou a palavra:
— O meu dono é ex-dirigente da CBD, agora CBF. Naquele dia, quando o jogo se aproximava do final, ele decidiu que eu seria dele de qualquer maneira, logo assim que a partida encerrasse. Após o apito de final de jogo, com uma amiga, também oficial da copa, na mão, escorou o árbitro do jogo na entrada do vestiário. Em meio à confusão de repórteres, jornalistas e curiosos, fez a troca. Ele se posicionou atrás do árbitro com a minha amiga nas mãos, alguém orientado por ele me puxou dos braços do juiz, que ao se virar se deparou com ele de braço dado com a minha amiga, achando que era eu. O árbitro, rápido e fulo da vida, tomou a minha amiga das mãos dele, pensando estar recuperando-me. Meu dono, então, armou um pequeno barraco com o árbitro para dar um ar de tragédia a comédia e, se esforçando para conter o riso, foi embora de mãos vazias e de orgulho cheio. Hoje em dia, eu só saio de casa para exposições e festas, uma vez ou outra apareço aqui no seu Domingos para fazer alguns retoques.
— Que por sinal fez maravilhas com a minha válvula, pois nunca mais o ar da câmara escapou inadvertidamente.— Falou Benê em tom de agradecimento. Feia de cara, mas boa de jogo, um pouco afastada do grupo, Raimunda: rota, remendada, maltrapilha e envergonhada ouvia a tudo como uma coruja, não dizia nada, mas prestava uma atenção! Benê percebeu nela o desejo de também relatar as suas experiências. Empurrou-a para o centro do grupo e ela se deixou rolar.
— Eu comecei em São Januário, onde fui bem tratada por muitos e maltratada por poucos. Trago nestes descascados e costurados gomos boas lembranças de craques como Romário, Geovani, Ernane e outros, além de uma verdadeira adoração por Roberto Dinamite. Mas um dia, por problemas políticos internos e ciúmes pela felicidade expressada por uma possível volta de Roberto Dinamite, fui doada para uma Penitenciária. Era bola para todo jogo: campeonatos internos, amistosos e peladas de funcionários. Alguns me tratavam sem nada dever aos profissionais de futebol, mas a maioria era braba mesmo. Para agravar o meu sofrimento o campo lá na Penitenciária não tem grama, é de barro, e eu rezo para chover, assim não sofro tanto com a aspereza do solo. De vez em quando, um funcionário me leva para jogar fora, o campo é maravilhoso: grama importada, marcação com talco e traves emborrachadas, mas a maior parte do pessoal é de dar dó, nada deixando a desejar aos piores lá da Penitenciária. Lá, somos poucas e eu quase não tenho descanso, nossas estórias são parecidas, por isso adoro quando venho ao seu Domingos.