My first Magazine Revista Sarau Subúrbio ed 01 | Page 20
Marcelo
Bizar
O p a i (da série de contos "Animais do zoológico")
O de 7 anos quase um casulo com as mãos abraçadas às pernas, magro e
remelento. No café da manhã comeu biscoito sem recheio. Está trêmulo sob a
mesa.
Sob a mesma mesa, outro, o de 11 anos. Nada comeu o dia inteiro. Mas hoje
fez diferente: bebeu da pinga quase escondida sob a pia, na mão esquerda ele tem
um 38.
As horas passam. Almoço só o que a mãe catou na última feira, fizeram uma
sopa.
A garrafa de pinga, antes cheia, agora só menos da metade.
As horas passam ainda mais rápido até às 19 horas e o pai chega.
Bêbado, gritando o nome do seu time de futebol, entra no conto o pai.
Antes abriu a porta com força. Xinga bem alto. A mãe, que se encontrava fora
do conto até o momento, mesmo já tendo chegado em casa cedo como de
costume, tenta conversar com o marido, dirige-se a ele: “querido boa noit...” um
soco a emudece.
Eles e nós vemos a mãe caindo em reprises sucessivas, câmeras lentas,
reprises, reprises sucessivas, em câmera superlenta. O chão lhe acolhe.
Sangue do nariz da mulher salpica nas paredes. Ela no chão gemendo,
contorcendo seu pequeno corpo de dor, quase um segundo casulo na história.
Em outro canto do conto a mesa é jogada pra longe num único golpe.
O de 11 anos tem a face mitificada (quase um semi-deus). A arma em riste
(um zoom de câmera abstrata capta seu rosto suado, iluminado, olhar carregado de
fúria e um quase-soriso sainda do lado da boca de poucos dentes).
O tiro faz o corpo suado do pai pipocar contra a parede, mistura os sangues
dos cônjuges enquanto gotas de sangue salpicam o ar novamente como fogos
artificiais, são efeitos 3D.
Ainda com as mãos quentes de chumbo ele, o de 11 anos, lembra seus dias e
datas… natais, aniversários, passeios, páscoas, jantares... em que sua mãe
apanhava, o de 7 apanhava, e ele, o que agora tem 11 apanhava… espia de novo o
pai caído no chão da sala… e sorri.