inteiro e quer, genuinamente, ser Pre-
sidente da República. «Hei-de ser Pre-
sidente da República de Moçambique,
gostaria muito de ajudar as pessoas.»
Ana Samuel tem 13 anos e gostaria de
vir a ensinar, tal como Frenque e José
Jerónimo. Se tudo correr bem, Mónica
será um dia enfermeira, em Mocímboa
da Praia. E porque não, em Pemba ou
Maputo? Mónica nunca tinha pensado
tão longe.
Ao descobrirmos os sonhos humildes
destas crianças (com a exceção de Ju-
nho) é inevitável não pensar no poema
‘O Guardador de Rebanhos’ do bucólico
Alberto Caeiro: “Porque eu sou do ta-
manho do que vejo / E não, do tama-
nho da minha altura”. A maioria destes
miúdos nunca foi para além da aldeia-
-encruzilhada mais próxima; portanto,
quando se imaginam grandes, sonham
algo próximo e à sua escala.
No quarto dia de estrada fomos visitar a
Escola de Mahera, a 120 km de Pemba e
o coro Helpo voltou a ouvir-se. Também
se repetiu o calor abrasador – 35 graus
com humidade de 70% – e a recepção
solene com professores orgulhosos e
cadeiras de plástico em semicírculo.
Cumprimentámos toda a gente e fomos
embora, não por falta de educação, mas
porque tinha sido acordado falar com a
família de alguns afilhados, na sua pró-
pria casa.
Numa clareira à frente da sua casa es-
tava a mamã Cristina Zacarias e a sua
mamã, Varnaia Muaueheke, que nos
apresentaram a descendência por or-
dem decrescente. O mais velho, com 18
anos e o mais novo, de colo. Falámos
com Estefânia, Josefina, Dulce (uma vizi-
nha) e Laura. Esta última foi das primei-
ras meninas a surpreender-nos com o
sonho de uma profissão diferente: apre-
sentadora de televisão. O seu sorriso de
cara cheia, diferente da vergonha com
que nos presenteiam habitualmente, os
vestígios de purpurina à volta dos olhos
e os dois anos que viveu em Maputo
com um tio, ajudam a compor o seu
olhar mais ambicioso.
Próximo destino: banho de alunos na
escola de Impire. Depois da Helpo aju-
dar a construir mais seis salas de aula,
o Ministério da Educação aumentou
a escolaridade da 7ª até à 10ª clas-
se. Esta é a única escola Helpo com
energia eléctrica e tem uma biblioteca
invejável, com mais de 2 mil livros, em
português, inglês, francês e (apenas)
dois em macua, a língua indígena mais
falada em Moçambique. De regresso
à cidade, fomos visitar a Ludoteca Hel-
po da Biblioteca Pública Provincial de
Pemba, provavelmente um dos espaços
didáticos gratuitos mais bem sucedi-
dos do país. As crianças que aqui vêm,
aprendem com calma e método, teatro,
poesia, educação visual, francês, inglês
e cidadania.
Aqui, várias crianças falaram connosco.
Dara viria a ser a criança mais faladora e
esclarecida de toda a viagem. Já quis ser
empresária, mas recentemente decidiu
que quer ser engenheira electrónica. Na
verdade, já tem um part-time que lhe dá
muito prazer: apresenta dois progra-
mas infantis na Rádio Moçambique, o
Correio Infantil e o Cantinho da Alegria.
Nelson declamou-nos um poema. Omar
está a caminho de ser doutor de Hospi-
tal. Berta gosta de desenhar, mas vai se-
guir Engenharia Civil. Cidália imagina-se
futura professora e quando lhe pergun-
tamos qual foi o momento mais feliz da
sua vida, responde sem hesitar “16 de
Junho, o dia da festa da Ludoteca”.
No dia seguinte, deixámos a casa de
Pemba e partimos para Nampula. Trocá-
mos uma pequena cidade à beira-mar e
chegámos à terceira maior cidade mo-
çambicana, bem no interior da provín-
cia mais populosa do país.
Nampula, como qualquer cidade, tem
muitas pessoas à procura de oportu-
nidades. Algumas trabalham, outras
pedem dinheiro (‘estou a pedir cinco’
é uma frase comum há vários anos que
teima em resistir à inflação) e há aque-
las que roubam o que aparecer, seja um
telemóvel ou um pneu sobresselente de
um carro.
A única paragem comunitária que
fizemos foi na escolinha de Micole-
ne, aldeia de Namialo, no distrito de
Meconta, um projeto da Helpo que
nasceu literalmente do chão. Com uma
máquina de construção de tijolos, a
Hydraform, têm sido edificadas várias
escolas. Terra vermelha com uma pitada
de cimento e criam-se tijolos machos e
fêmeas com poder de encaixe.
Se mamã é o nome carinhoso que os
moçambicanos dão às mulheres que
sustentam toda a sociedade, escolinha
é a palavra que designa a pré-primária
que, como se adivinha, é a máquina
fundadora de tudo, incluindo de futuros
presidentes. As crianças, que passam
pela escolinha, aprendem a base do
português e, quando chegam à primá-
ria, já conseguem apreender (e empi-
lhar) tudo o resto.
No dia seguinte, visitámos a Escola de
Teacane e a Escola Polivalente de São
João Baptista de Marrere, onde almo-
çámos com padre Pedro, Diretor desta
escola, e Inês Faustino, Diretora de Pro-
grama de Nampula.