11 dias de realidade.
Lisboa, Ricardo Henriques
N
ada me tinha preparado para
a experiência de 11 dias junto
das comunidades escolares
do norte de Moçambique, nas provín-
cias de Cabo Delgado e Nampula. Não
fui perseguido por leões, não fui dizi-
mado por nenhum mosquito, não me
juntei a nenhuma causa perdida, não
perdi o passaporte, não fui preso nem
torturado, enfim. O que me atacou de
forma implacável, foi a realidade!
Ainda o ano de 2017 estava fresqui-
nho, quando Jorge Trindade, diretor
criativo da agência de criatividade Big
Fish me sondou, a mim e ao Luís Mileu,
para um eventual projeto em Moçambi-
que. Seria um trabalho com pontos de
contacto com a viagem – Americans 45
– que nos levou a atravessar os Estados
Unidos da América no final de 2016 e a
entrevistar e fotografar as pessoas que se
cruzaram no nosso caminho. Desta vez,
não seriam norte-americanos acidentais,
mas sim crianças moçambicanas em ida-
de escolar. Em vez de improviso, iríamos
visitar escolas específicas apoiadas pela
ONGD portuguesa Helpo. O contexto
não seriam umas eleições tão histéricas
quanto históricas, mas sim a entrega do
IRS pelos portugueses. O tempo fez o
que costuma fazer e, de repente, está-
vamos quase no final de 2017, prestes a
fechar datas para iniciar o projeto Futu-
ros Presidentes.
O nome “Futuros Presidentes” parte de
um princípio simples: quem tem aces-
so continuado aos estudos pode vir a
tornar-se o que quiser, até Presidente
da República do seu próprio país.
Entre 16 e 28 de Fevereiro de 2018, visitámos várias comunidades escolares, distribuídas pelas províncias de Cabo Delgado
e Nampula, das mais afastadas de Maputo e das mais pobres do país. A nossa missão era descobrir o que as crianças apa-
drinhadas pela Helpo (e não só) ambicionavam ser e fazer em adultas. O resultado final seriam 20 retratos e 20 histórias a
serem expostas em Lisboa, primeiro na Assembleia da República e depois onde o futuro deixar.
Depois de 13 horas a voar no percurso
Lisboa-Maputo-Pemba e de menos de
meia hora de sono, chegámos enfim à
capital da província de Cabo Delgado,
cidade onde a Helpo assentou arraiais.
Do lado de lá do tapete das baga-
gens esperava-nos Carlos Almeida, o
Coordenador Nacional da ONGD em
Moçambique e o nosso homem no
terreno. Quem também nos recebeu
calorosamente foi uma humidade im-
placável. Na casa da Helpo, a cozinhei-
ra e faz-tudo Maria Clara ultimava os
preparativos para o almoço. Depois da
bela refeição fomos conhecer os seus
filhos, crianças também apadrinha-
das pela Helpo. Maria Clara foi a mais
nova de cinco irmãs e a única que não
engravidou. Uma das irmãs morreu e
Maria passou a tomar conta dos 9 fi-
lhos deixados para trás. Depois perdeu
uma sobrinha e ganhou mais 4 filhos
a seu cargo. Outros dois órfãos, de
uma segunda sobrinha, parecem estar
igualmente a caminho da vida desta
cozinheira de mão e casa cheia. Sen-
tada no pátio de sua casa, Maria Clara
usa a expressão “reboquei os filhos” para
falar das várias vagas de heranças de
crianças. Sobrinhos, netos ou filhos, o pa-
rentesco vai mudando nas conversas, as
idades também são voláteis, mas apesar
da confusão, ninguém é esquecido na
hora do mata-bicho, da papa, do arroz e
da chima. Dizem-nos que Maria Jonito é
uma das crianças mais velhas, está deita-
da numa cama, com um ar cansado, pro-
vavelmente devido à malária que voltou
a contrair. Os restantes irmãos, Nelson
Momade, Edmilson mais velho, Telvino
António, Vasco, António, Edmilson mais
novo, Lúcio, Maria Esperança e Marta,
seguem, ora as ordens de Maria, ora as
sugestões de Carlos.
Fazemos perguntas sobre sonhos de
profissões futuras e tiramos retratos,
mas há muita vergonha nas respostas.