Como adverte Silvério (2004), é possível pensar a dinâmica das relações raciais no Brasil a partir de
um imaginário social que, pela sua pluralidade e multiplicidade, contrasta com a “rígida” idealização de
que formamos uma nação em que a miscigenação biológica teria transbordado para todas as esferas
da vida social. O autor observa que a continuidade dessa idealização está atravessada por práticas
ancoradas em “verdades” (constituídas em diferentes momentos históricos por conhecimentos de
caráter religioso, científico etc.) que destinam um lugar de não-humanidade ou quase humanidade
para os não-brancos.
Destaca Theodoro (2008) que o trabalho escravo, núcleo do sistema produtivo do Brasil Colônia,
foi gradativamente substituído pelo trabalho livre no decorrer do século XIX. Essa substituição, no
entanto, dá-se de uma forma particularmente excludente. Mecanismos legais, como a Lei de Terras
de 1850 (que legaliza a apropriação desigual da terra entre grupos étnicorraciais), a Lei da Abolição
de 1888 (sem políticas direcionadas à inclusão da população ex-escravizada do ponto de vista social,
econômico, político), e mesmo o processo de estímulo à imigração, na virada do século XIX para o XX,
forjaram um cenário de desigualdade racial no acesso ao trabalho.
O capital social – que se refere às redes de relações baseadas na reciprocidade entre os agentes
sociais melhor dotados de recursos (Bourdieu, 1986) – e o capital escolar passam a ser fatores
decisivos de um novo regime de regulação das relações étnicorraciais. As vantagens dadas aos colonos
imigrantes europeus, por meio das parcerias e do aporte de importantes fundos públicos, funcionaram,
no jogo das disputas fundiárias, como um capital social (Anjos et al., 2004).
Os imigrantes europeus passaram, no Brasil, por um rápido processo de mobilidade econômica
ascendente, concentrando-se nos setores mais dinâmicos da economia. Nesse sentido, as
desigualdades observadas no processo de inclusão e mobilidade econômica devem ser explicadas
não apenas como fruto de diferentes pontos de partida, mas também como reflexo de oportunidades
desiguais de ascensão social após a abolição (Theodoro, 2008).
Durante o século XX, em que transcorreram importantes mudanças sociais pelas quais passou
o país, seja no campo da modernização da economia, da urbanização, ou da ampliação das
oportunidades educacionais e culturais, não se observou uma trajetória de redução das desigualdades
raciais. Pôde-se notar ainda “a piora da posição relativa dos negros nas posições superiores da
estrutura de ocupações, derivada, em grande parte, da crescente desigualdade de acesso de brancos e
negros no ensino superior” (Jaccoud, 2008, p.58).
Nesse sentido, Hasenbalg destacou, no final da década de 1970, que o preconceito e a
discriminação racial operaram como critérios adstritivos na alocação de posições no mercado de
trabalho, favorecendo, sobremaneira, aos brancos, passados mais de cem anos da abolição da
escravatura. A raça tem sido mantida “como símbolo de posição subalterna na divisão hierárquica do
trabalho e continua a fornecer a lógica para confinar os membros dos grupos raciais subordinados.
àquilo que o código racial da sociedade define como ‘seus lugares apropriados’” (1979, p.83).
Conforme Silvério (2002), se a ambiguidade tem sido um traço característico da classificação