Sob uma perspectiva nominalista, retomo o pensamento de Foucault (1996) para refletir sobre o
conceito de raça a partir dos efeitos práticos dos dispositivos de poder que se articulam com discursos
locais para constituírem configurações naturalizadas de poder-saber.
O processo de construção ideológica do Brasil (assim como de outros países da América Latina)
como uma nação mestiça, iniciado no século XIX, sustenta-se no fato de que teria ocorrido uma
fusão “harmônica” de raças e culturas, denominada, posteriormente, de “democracia racial”.
Esta idealização esconde que a “harmonia racial” tinha como pressuposto a manutenção das hierarquias
raciais vigentes no país, na qual o segmento branco da população foi tido como principal e dominante,
constituindo o ideal a ser alcançado pela nação, ao menos em termos comportamentais e morais. O
mestiço foi elevado à condição de símbolo nacional, representando tanto a “harmonia racial” quanto a
possibilidade de embranquecimento da nação. É assim que “[a] tensão existente entre harmonia racial
e embranquecimento é acirrada pela impossibilidade/incapacidade de reconhecer horizontalmente
a igualdade entre todos no interior de uma pluralidade de raças e cores tratadas e pensadas
hierarquicamente” (Silvério, 2004, p.41).