Madame Eva Nº3 | Page 21

8 As espingardas do fuzilamento já estavam selecionadas e uma multidão se agrupava para ver o que seria de mim. Às mulheres que cho- ravam perante o terror da morte, sorri. Um pingo de esperança que me conso- lou e um arquear dos lábios que – quiçá – também as consolou... 9 E outra vez cai em mim e fui ao chão pela terceira vez. Era tanta gente reunida, que a armadilha para mi- nha condenação transparecia em injus- tiça! Polícia, juiz, lei, política, ética, moral, constrangimento, em- presário, força, o bem, o mal... Meus algozes inventaram de tudo ao longo dos séculos para me conter. O bem co- mum, o direito do próximo – o próprio “próximo” – cos- turam justificativas como se tecessem correntes. Sim, a axiologia se desdobra como quer – como pode – mas esbar- ra sempre no limite existencial que é a imposição da vontade de um indivíduo – ou de dita coletividade de indivíduos – sobre o outro. Com que di- reito? Direito? Matem-me, mas não me condenem, pois eu não reconheço seus tribunais! Toda condenação – à morte ou à cadeia – é um atentado à existência e eu só deixarei de existir quando Deus, meu Pai, me chamar a seu lado! 10 Na praça pública, outros dois homens seriam fuzilados comi- go, puseram-me ao meio deles. Os soldados disputavam meus pertences, mas àquela altura nada mais deste mundo me pertencia. De pé, à frente do calvário, quiser am vendar-me os olhos, resisti. Di- zem que uma das balas dadas aos carrascos é falsa, para que paire em todos os que pu- xam o gatilho certa sensação de consciência limpa, pela possibilidade de não ter matado o condenado. Pedi para não ser vendado; uma última tentativa de conversão: que cada um me olhasse nos olhos e lidasse de- pois com sua consciência. 19