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As espingardas do fuzilamento
já estavam selecionadas e uma
multidão se agrupava para ver o
que seria de mim. Às mulheres que cho-
ravam perante o terror da morte, sorri.
Um pingo de esperança que me conso-
lou e um arquear dos lábios que – quiçá
– também as consolou...
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E outra vez cai em mim e fui ao chão
pela terceira vez. Era tanta gente
reunida, que a armadilha para mi-
nha condenação transparecia em injus-
tiça! Polícia, juiz, lei, política, ética,
moral, constrangimento, em-
presário, força, o bem, o mal...
Meus algozes inventaram de
tudo ao longo dos séculos
para me conter. O bem co-
mum, o direito do próximo
– o próprio “próximo” – cos-
turam justificativas como se
tecessem correntes. Sim, a
axiologia se desdobra como
quer – como pode – mas esbar-
ra sempre no limite existencial
que é a imposição da vontade de
um indivíduo – ou de dita coletividade
de indivíduos – sobre o outro. Com que di-
reito? Direito? Matem-me, mas não me condenem,
pois eu não reconheço seus tribunais! Toda condenação – à morte ou à cadeia – é um
atentado à existência e eu só deixarei de existir quando Deus, meu Pai, me chamar
a seu lado!
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Na praça pública, outros dois
homens seriam fuzilados comi-
go, puseram-me ao meio deles.
Os soldados disputavam meus pertences,
mas àquela altura nada mais deste mundo
me pertencia. De pé, à frente do calvário,
quiser am vendar-me os olhos, resisti. Di-
zem que uma das balas dadas aos carrascos
é falsa, para que paire em todos os que pu-
xam o gatilho certa sensação de consciência
limpa, pela possibilidade de não ter matado
o condenado. Pedi para não ser vendado;
uma última tentativa de conversão: que
cada um me olhasse nos olhos e lidasse de-
pois com sua consciência.
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