Madame Eva Nº3 | Page 20

4 Quatro paredes agora me restringiam, com uma grade de ferro por porta, cujas barras enquadraram a última visão do paraíso que tive na terra: o rosto piedoso de minha doce mãe. Disse-lha adeus, com a certeza de que esta- ria a seu lado no dia do juízo final, e pedi-lha que intercedesse por mim. 5 6 Agora era questão de dias. A vida na cadeia rende muitas desconfianças. Todo detento é culpado aos olhos dos carcereiros, mas a lei garante-nos certos direitos – inúteis, quase sem- pre. A mim foi-me designado um novo advogado, um homem tenro, de nariz líbio. O pobre coitado havia recém entrado na carreira de Defensor Públi- co e meu caso lhe caiu no colo. No meio de tantas injustiças, porém, uns poucos homens encontram a redenção. Doutor Simão comoveu-se com meu caso e desdobrou-se para pôr-me em liberdade. Os prazos foram-se esgotando, os recursos, negados, restou-me apenas o consolo de ter convertido um homem à minha causa. Em mais uma tentativa de provar minha inocência, deixei que a imprensa me entrevistasse. Inocente, tive a certe- za que meu testemunho tinha que ser público, quis ver meu rosto fotografado e reproduzido nas páginas dos jornais, para sensibilizar a eternidade. Uma meiga menina encarregou-se de divulgar meu retrato, que Deus abençoe a inocente Verônica. 7 Foi quando pela segunda vez senti o peso de minha condenação e outra vez cai. A escravi- dão é isso, não é apenas o aparato burocrático montado para conter um homem. Não são só os tijolos, erguidos, uns por uns, por pobres operários, escravos, eles próprios, da fome e de uma enge- nharia repressora em que leis e poderosos di- tam o teor do que é “viver”. A escravidão é, sobretudo, a imposição da solidão. E eu via a expressão dos meus iguais, os que se enfileiravam comigo à frente de suas celas para as inspeções rotineiras e os que uni- formizados as inspecionavam, e caí pela se- gunda vez. Era talvez o único a olhar pro outro, o único a ver a expressão de cada um, escravos uns dos outros, desinteressados na con- dição alheia. Cai pela indiferença de meus irmãos que não se olhavam. Pela segunda vez, cai. 18