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Quatro paredes agora me restringiam, com
uma grade de ferro por porta, cujas barras
enquadraram a última visão do paraíso
que tive na terra: o rosto piedoso de minha doce
mãe. Disse-lha adeus, com a certeza de que esta-
ria a seu lado no dia do juízo final, e pedi-lha que
intercedesse por mim.
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Agora era questão de dias. A vida na cadeia
rende muitas desconfianças. Todo detento
é culpado aos olhos dos carcereiros, mas a
lei garante-nos certos direitos – inúteis, quase sem-
pre. A mim foi-me designado um novo advogado,
um homem tenro, de nariz líbio. O pobre coitado
havia recém entrado na carreira de Defensor Públi-
co e meu caso lhe caiu no colo. No meio de tantas
injustiças, porém, uns poucos homens encontram
a redenção. Doutor Simão comoveu-se com meu
caso e desdobrou-se para pôr-me em liberdade. Os
prazos foram-se esgotando, os recursos, negados,
restou-me apenas o consolo de ter convertido um
homem à minha causa.
Em mais uma tentativa de provar minha inocência, deixei
que a imprensa me entrevistasse. Inocente, tive a certe-
za que meu testemunho tinha que ser público, quis ver
meu rosto fotografado e reproduzido nas páginas dos jornais, para
sensibilizar a eternidade. Uma meiga menina encarregou-se de
divulgar meu retrato, que Deus abençoe a inocente Verônica.
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Foi quando pela segunda vez senti o peso de
minha condenação e outra vez cai. A escravi-
dão é isso, não é apenas o aparato burocrático
montado para conter um homem. Não são só os
tijolos, erguidos, uns por uns, por pobres operários,
escravos, eles próprios, da fome e de uma enge-
nharia repressora em que leis e poderosos di-
tam o teor do que é “viver”. A escravidão
é, sobretudo, a imposição da solidão. E eu
via a expressão dos meus iguais, os que se
enfileiravam comigo à frente de suas celas
para as inspeções rotineiras e os que uni-
formizados as inspecionavam, e caí pela se-
gunda vez. Era talvez o único a olhar pro
outro, o único a ver a expressão de cada um,
escravos uns dos outros, desinteressados na con-
dição alheia. Cai pela indiferença de meus irmãos
que não se olhavam. Pela segunda vez, cai.
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