ÚLTIMOS PASSOS
Por Lucas Anderson
1
Condenaram-me à morte. Tive um processo irre-
tocável. Garantiram-me o direito à contraditória
e à ampla defesa. Na terra, os homens se preocu-
pam com as circunstâncias e meu processo correu dentro
do arcabouço jurídico de uma ciência que ao longo dos
séculos se aperfeiçoou para minimizar os abusos interpre-
tativos da lei. A justiça dos homens, aliás, depende não
apenas da comprovação de uma relação de causa e con-
sequência entre o ato do réu e o prejuízo a outrem, mas,
também, que tal nexo de consequência seja estabelecido
dentro de um devido processo legal. E mesmo que meu
julgamento tenha sido conduzido por homens que me qui-
seram culpado, não deixaram de respeitar o devido pro-
cesso legal. Condenaram-me os homens, mas eu mantive
minha inocência. Confiante no julgamento celeste; pois,
para Deus, não há processo, quiçá não há contexto, não há
necessidade de nexo de causa e consequência, Sua senten-
ça depende apenas de uma testemunha: a consciência do
acusado.
2
E minha consciência estava tranquila
quando o juiz me sentenciou: fuzilamento.
Agora era só caminhar para o paredão em
curtos passos que demorariam dias. O processo
precisava ser passado em julgado, a fim de aliviar
a consciência dos que me acusavam.
3
Antes de cair pela primeira vez, o aço frio fez-
-se fosco; o incômodo, suportável. Sete ligas,
contei sete ligas, sem saber ao certo qual me
prendia. Com as mãos às costas, caí no asfalto duro,
mas contei sete ligas antes de bater no chão. Tro-
pecei pelo peso das algemas que me curvavam.
A força do aço está no nó da amarra. Aquelas
argolas trançadas dependiam da força da solda
de cada uma. Pensei logo em romper meu cati-
veiro, não pelo poder de meus braços, mas pela
fraqueza daquelas ligas, “Eu rompo esta corren-
te! Não há aço que me detenha! Eu rompo
esta corrente!” Vencido, entreguei-me às sete
argolas, levantei e segui meus passos como se a
queda não me abalasse.
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