Madame Eva Nº3 | Página 18

CORPOS
CORPOS
Por João Henrique Nascimento Dias
Julia Paixão © 2017

Já estavam desnudos diante um do outro. O espaço pouco escuro. Mas, antes que a ação tomasse um verbo, foram ambos refreados por sensação estranha, espécie de abalo nostálgico. Eles sabiam que à frente viria o contato desavergonhado e cínico, desses que ambos anteviam como libertador, necessário, por que não, impreterível àquela altura. Foi, contudo, naquela pausa inesperada que os dois perceberam que todo tijolo de vaidade e pompa devidamente encaixado para aquele momento esvaiu-se: as linhas libertinas correram pelo pensamento e sumiram; as puxadas e apertos perderam-se dos lugares nos corpos; as estratégicas mudanças de papel entre dominante e dominado restaram vazias e sem propósito; a cena era puro desencanto, verdadeiro tabuleiro sem linhas, sem regras e sem história.

Atarantados, brigaram, por poucos minutos ainda, com a imagem imóvel e robótica daquelas carcaças. Fecharam os olhos, ele e ela.
Lentamente, à medida que o escuro do pensamento aprofundava e o silêncio vazava apenas suas respirações, os corpos diminuíam a distância que os separavam; em certo instante, o calor voltou a rondar o espaço, e, ainda, de olhos fechados, pele voltou a ir com pele. Deitando-a e pondo-se ao seu lado, ele empeçou a acariciar sua panturrilha; nela toda, ele sentia aquelas fibras longas, sentia cada palavra que o movimento dos pés comunicava ao resto do corpo, percebia as falhas entre pele e pêlo, e cheirava, pesquisava o perfume saído de cada poro. Decidida, ela então postou-se sentada, tomou-lhe o antebraço esquerdo e iniciou sua série de afagos. Aprazia--lhe olhar o alargamento dos músculos desde o punho; era como se os seus toques carregassem uma quantidade ainda maior de sangue para aquela região. Passando-o ao redor do pescoço, ela sentia o peso do antebraço relaxado, absolutamente entregue, e suave à medida que a pele cedia espaço também aos pêlos.
Desmascarados, prolongaram-se ali por longas horas; uma imagem desenganchada de pompa e vaidade. Olharam-se nos olhos, ele e ela.

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