TEMPO CARIOCA
TEMPO CARIOCA
Por Camilo Xavier Para a GAZETA DO ÓBVIO,
23 / 02 / 1944
Para falar do Tempo, sempre me acordo de Agostinho – o Santo, não o centroavante do Bangu –, que, com sua enorme sabedoria, se perguntava:“ o que é, afinal, o tempo? Se ninguém mo perguntar, eu sei a resposta; se procurar explicá-lo, deixo de saber.” Sou filho do século XX, por isso, sei bem que meu leitor não se comoverá com mais divagações filosóficas que buscam abstrair o que já é abstrato. Rogo-lhe, no entanto, leitor, que não largues ainda meu texto, pois, a bem da verdade, não estou aqui para lhes falar da essência do Tempo. Devo, antes, porém, esclarecer meu desinteresse por tal tema, para depois prosseguir às considerações que julgo pertinentes.
Cabe lembrar: o Tempo não é universal, ele é o que cada sociedade resolve fazer com que ele seja. Como quisera Holfrod-Strevens: quanto mais complexa a sociedade, mais labiríntico é seu Tempo – ou sua forma de medi-lo.
E é essa a solução que o mundo encontrou ao problema de Santo Agostinho, deixando de se preocupar com a definição do Tempo, para contentar-se apenas em mensurá-lo. O Tempo definido como o intervalo entre acontecimentos significativos, o“ chronos”, que aparece em Homero, transforma-se no Tempo personificado em forma de juiz, em tribunal de duração contínua e indefinida do sábio Sólon, para quem tudo será julgado. Pois Sólon decreta que o Tempo passa, e que, ao passar, tudo julga.
( Não pense, caro leitor, que irei me estender por muito mais nas presentes
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abstrações. Como recomenda o Conde F. de Vasconcellos, em seu Manual de Bandeiras e Flâmulas, prometo ser breve nestas que serão minhas considerações finais. Mas, é que, se a intenção desta crônica – em plena Quarta-Feira de Cinzas – é provocar uma reflexão contemporânea, o problema sobre o qual ela se debruça é anterior ao próprio Tempo, por isso julgo importante ainda algumas considerações.)
A concepção de Sólon de que o tempo não apenas“ é”, mas, sim,“ deixa de ser” – isto é, transforma – marca como o homem percebe o Tempo há dois mil anos. O“ intervalo entre acontecimentos”, do qual falávamos há pouco, perde importância na história da humanidade e relativiza-se de tal sorte que foi preciso positivar o tempo. Toda semana tem os mesmos dias, todo dia tem as mesmas horas, toda hora os mesmos minutos e todo minuto os mesmos segundos. Assim, não mais o homem vive pelos acontecimentos, mas pelo passar do tempo. Somos escravos do amanhã! Constantes escravos de um amanhã que não chega nunca, pois ao chegar, torna-se hoje. Mêses, dias e horas ditam nossas rotinas para um futuro que jamais se torna presente!
Divago, quiçá, um pouco, meu paciente leitor. O fato é que cada povo tem seu calendário, e sua forma de relacionar-se com ele. Nós, aqui no Brasil, pela Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, adotamos o calendário elaborado pelo Papa Gregório XIII e, ocidentais que somos, acreditamos, como Sólon, que o Tempo nos julga, ou, como diz o ditado popular, que“ o Tempo tudo cura”.