Madame Eva Nº2 | Page 27

de braço, e por onde o bote vaguejou. Os mais místicos contam que, em determinado momento, a força que o puxava era tão grande que o pescador levitou e teve que afrouxar o punho cerrado, para regressar ao barco que navegara. É possível. É provável.
Fosse outro pescador, menos experiente, mais fraco, certamente teria perdido algo de valioso naquela desavença infeliz. Péricles, mesmo, dizia que o bom Deus só o manteve com vida para sentenciá-lo a relatar os fatos a sua descendência.
Como um peixe que morde a isca e que por tanto digladiar-se volta à vida com a boca rasgada, mas cujas feridas não servem para ensinar sobre o perigo do anzol ao resto do cardume, também Péricles foi condenado a ter sua experiência ignorada e sua história negada por seus pares. Quando a linha por fim afrouxou e o pescador, sem entender o que havia ocorrido, pôde voltar a seu vilarejo, caiu sobre ele a maldição de Cassandra.
Mas como é próprio do homem explicar ao ensinar, Péricles insistia na teoria que desenvolvera após refletir sobre tudo o que lhe havia sucedido. Seu anzol teria prendido nos trajes de um anjo de Deus, que não quis se revelar a ele, mas que lutou e voou para se ver livre da garra do gancho de sua vara.
Ensinava, porém, em vão, pois os outros pescadores já tinham ouvido de tudo e formavam uma comunidade de céticos, por motivos que dispensam explicações. A lenda de Péricles, de seu anzol voador e do anjo vagante era muito mais imaginativa que as que costumavam surgir entre os pescadores, o que reservou a ela certa popularidade jocosa no fol-
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