LE TOMBEAU
A forma da sombra na parede expande-se como algo ameaçador , mas logo que voltamos os olhos à luz , percebemos que é a projeção de uma mosca que por ali flutua . Nossa cognição é tão parca que sequer conseguiríamos investigar completamente a natureza de uma simples mosca , diz São Tomás de Aquino . Os encontros entre os seres – vivos ou mortos – expostos no poema abaixo são tão ameaçadores e inexplicáveis quanto o dilema que a mosca do Doctor Angelicus impõe ao nosso intelecto . Somos , de fato , impelidos a dizer que eles realmente aconteceram e que a única forma de relatá-los foi por meio desse poema – em verdade , obrigaram-nos a isso .
Definir tempo e lugar não importa , pois caso nos fosse indagado , diríamos que tais encontros ocorreram num domínio alheio às categorias de tempo e lugar . Acreditamo-nos , todavia , no dever de indicar alguma direção a fim de iluminar as palavras aqui reproduzidas . Os antigos epitáfios fúnebres – taphos pode significar uma tumba iniciática onde o adepto morria e renascia – não nos servem tanto quanto sua etimologia . Também não nos são úteis os Tombeaux , de Stéphane Mallarmé , compostos em homenagem a Poe , Baudelaire , Verlaine e Wagner . Para tanto , nos valemos das palavras do alquimista Fulcanelli acerca da estátua que retrata a Prudência e que contemplamos , por muitas horas , na tumba do Imperador François II , localizada na Catedral de Nantes : “ Antes de ser elevada à dignidade de Virtude Cardeal , a Prudência foi por muito tempo uma divindade alegórica , à qual os antigos atribuíam uma cabeça de duas faces (...) Seu rosto anterior nos oferece a fisionomia de um jovem de perfil muito puro , e o posterior , a de um ancião cujo aspecto , pleno de nobreza e gravidade , se prolonga pelos fios sedosos de uma barba fluvial .”
LE TOMBEAU
Por Felipe de Simas
No rol das formas , normas elegantes , dispersas e decompostas dispersas e recompostas , diante da grande esfera apagada , disposta em meio a crânios concentrados de criaturas concentradas imersas numa intensa encenação de trevas , ato após ato , centenas de ancestrais aprisionados , torsos afundados nas fundições ornamentadas ; estátuas extasiadas com a sorte humana , suavemente dolorida , consumida em elegantes galerias onde retinas , golpeadas com cirúrgica exatidão , são sutilmente despertadas
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Sofia Melo © 2017