Madame Eva Nº2 | Page 13

LE TOMBEAU
A forma da sombra na parede expande-se como algo ameaçador, mas logo que voltamos os olhos à luz, percebemos que é a projeção de uma mosca que por ali flutua. Nossa cognição é tão parca que sequer conseguiríamos investigar completamente a natureza de uma simples mosca, diz São Tomás de Aquino. Os encontros entre os seres – vivos ou mortos – expostos no poema abaixo são tão ameaçadores e inexplicáveis quanto o dilema que a mosca do Doctor Angelicus impõe ao nosso intelecto. Somos, de fato, impelidos a dizer que eles realmente aconteceram e que a única forma de relatá-los foi por meio desse poema – em verdade, obrigaram-nos a isso.
Definir tempo e lugar não importa, pois caso nos fosse indagado, diríamos que tais encontros ocorreram num domínio alheio às categorias de tempo e lugar. Acreditamo-nos, todavia, no dever de indicar alguma direção a fim de iluminar as palavras aqui reproduzidas. Os antigos epitáfios fúnebres – taphos pode significar uma tumba iniciática onde o adepto morria e renascia – não nos servem tanto quanto sua etimologia. Também não nos são úteis os Tombeaux, de Stéphane Mallarmé, compostos em homenagem a Poe, Baudelaire, Verlaine e Wagner. Para tanto, nos valemos das palavras do alquimista Fulcanelli acerca da estátua que retrata a Prudência e que contemplamos, por muitas horas, na tumba do Imperador François II, localizada na Catedral de Nantes:“ Antes de ser elevada à dignidade de Virtude Cardeal, a Prudência foi por muito tempo uma divindade alegórica, à qual os antigos atribuíam uma cabeça de duas faces(...) Seu rosto anterior nos oferece a fisionomia de um jovem de perfil muito puro, e o posterior, a de um ancião cujo aspecto, pleno de nobreza e gravidade, se prolonga pelos fios sedosos de uma barba fluvial.”
LE TOMBEAU
Por Felipe de Simas

No rol das formas, normas elegantes, dispersas e decompostas dispersas e recompostas, diante da grande esfera apagada, disposta em meio a crânios concentrados de criaturas concentradas imersas numa intensa encenação de trevas, ato após ato, centenas de ancestrais aprisionados, torsos afundados nas fundições ornamentadas; estátuas extasiadas com a sorte humana, suavemente dolorida, consumida em elegantes galerias onde retinas, golpeadas com cirúrgica exatidão, são sutilmente despertadas

11

Sofia Melo © 2017