Alimento-me dos frutos , sobretudo daqueles que me satisfazem a vitalidade por dias seguidos . Mantenho a dieta carnívora , mas alimento-me dos peixes do mar . É pura jacobice ; todavia , soa-me melhor comer dos peixes , com os quais já construí relação antiga . Chove pouco na ilha e o sol que me chega é mais fraco , por isso , talvez , o clima é sempre ameno , e os frutos assegurados , entra dia , sai dia . Há um rio violento que corta a ilha , e que de tempos em tempos forma com as rochas poços ou espécies de piscinas naturais no percurso – é o lugar dos meus banhos de relaxamento . Não encontrei ainda o ponto de nascimento do rio ; ele , sei apenas , deságua no mar .
Esta será , certamente , a primeira de muitas garrafas , pois há ainda muito do que falar . E , sendo esta a carta de número um , preferi falar de outras coisas . Encontrei um paraíso e não desejo compartilhá-lo . Porque a perfeição de abrigos como este tem sua procura iniciada no cérebro , numa busca por fuga , numa crença em paraísos possíveis – mapas certamente não compreenderiam nem revelariam sua localização .
Ocorre-me , contudo , a questão da solidão . Há meses que não me vem uma risada . Chegou-me a ideia , portanto , de que o riso é essencialmente coletivo . Imagino que comediantes , tanto os de palco quanto os de bar , dificilmente criam piadas e riem-se , a ponto de gargalhar delas mesmas . Isso porque não mencionamos a risada de ocasião , aquela produzida apenas pelo inusitado , pelo improviso feito até pelo ser mais desengraçado existente .
Que não reste dúvida : é a solidão – está aí o interesse em produzir garrafas e ornar estes envelopes . Você que recebe em mãos estas palavras entenda que , embora eu esconda este lugar dos mapas , trato este mundo como uma casa de família . Se desejo privacidade , fecho a porta do quarto ; no entanto , no caso contrário , escrevo da ilha e comunico-me . Por horas questionando-me acerca do egoísmo , cheguei à conclusão que assim prefiro pois há na gente uma tendência à servidão : diriam que é necessário hierarquizar para que funcione ; que é preciso dividir para que se construa ; que é necessário viciar-se no poder para governar ; que é preciso consentir o sacrifício para que se retribua . E foi enfadado dessa historíola que eu me joguei no oceano , para aqui chegar .
Porque peixe é peixe , boi é boi , e peixe- -boi é outra coisa .
Obrigado pela risada amiga ,
Miguel Azumbarroso , da ilha ”
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