Madame Eva Nº2 | Page 10

AZUMBARROSO NA PRAIA DE SILECUSTA
AZUMBARROSO NA PRAIA DE SILECUSTA
Por Juliana D ' Ávila Maldonado

E ra uma garrafa de vidro em formato propositadamente sinuoso; ia do transparente ao translúcido, pois do claro ao roxo chegava-se por meio de nuances esbarradas em outras cores. Dentro estava a carta; as palavras de Miguel Azumbarroso. Não eram gritos por socorro, não era uma tentativa de encontrar barcos ou navios vagando pelo oceano, que o tirassem daquela ilha deserta. Miguel não desejava romper seu isolamento, que dirá compartilhar o sobrescrito. Esta que transcrevo chegou à praia de Silecusta. Foi recolhida e manuseada por um ser humano qualquer, e dizia:

“ Não se importe com o meu isolamento. Não desejo ser procurado ou analisado, muito menos encontrado. Mas cabe-me, acredito, partilhar daquilo que percebo, estando afastado das cidades, dos campos; dos centros e dos entornos. A ilha que me acolhe – não ousaria chamá-la de minha ilha – é toda borrada, parecendo surgida de rabiscos. A natureza não é predominantemente verde: ela vai toda do claro ao roxo, daí a coloração desta garrafa. Aquilo que decidi denominar plantas da terra – saem dos solos, algumas dão frutos, outras, abrigo –, a despeito dos borrões das cores e dos formatos, assumem padrões muito mais retilíneos e mesmo geométricos do que aqueles que acostumei a ver ao longo da infância.
Logo nos primeiros dias da estadia, procurei construções, qualquer sinal de que houve intervenções feitas por seres semelhantes a mim. Encontrei o que chamo de Praça da Fanfarra. Está sempre florida e os ornamentos são permanentes; espalhados por todos os espaços e ambientes estão materiais que produzem sons, caixas de corda, instrumentos cuja compreensão demorei a ter. Todos os dias, no entanto, aventuro-me em quaisquer deles; no começo buscava atrair estranhos com os sons, algum habitante, mesmo que fosse do tipo violento; apenas alguém para escutar minhas breves obras.

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Gabriel Avellar- RAR Arquitetura © 2017