AZUMBARROSO NA PRAIA DE SILECUSTA
AZUMBARROSO NA PRAIA DE SILECUSTA
Por Juliana D ' Ávila Maldonado
E ra uma garrafa de vidro em formato propositadamente sinuoso ; ia do transparente ao translúcido , pois do claro ao roxo chegava-se por meio de nuances esbarradas em outras cores . Dentro estava a carta ; as palavras de Miguel Azumbarroso . Não eram gritos por socorro , não era uma tentativa de encontrar barcos ou navios vagando pelo oceano , que o tirassem daquela ilha deserta . Miguel não desejava romper seu isolamento , que dirá compartilhar o sobrescrito . Esta que transcrevo chegou à praia de Silecusta . Foi recolhida e manuseada por um ser humano qualquer , e dizia :
“ Não se importe com o meu isolamento . Não desejo ser procurado ou analisado , muito menos encontrado . Mas cabe-me , acredito , partilhar daquilo que percebo , estando afastado das cidades , dos campos ; dos centros e dos entornos . A ilha que me acolhe – não ousaria chamá-la de minha ilha – é toda borrada , parecendo surgida de rabiscos . A natureza não é predominantemente verde : ela vai toda do claro ao roxo , daí a coloração desta garrafa . Aquilo que decidi denominar plantas da terra – saem dos solos , algumas dão frutos , outras , abrigo –, a despeito dos borrões das cores e dos formatos , assumem padrões muito mais retilíneos e mesmo geométricos do que aqueles que acostumei a ver ao longo da infância .
Logo nos primeiros dias da estadia , procurei construções , qualquer sinal de que houve intervenções feitas por seres semelhantes a mim . Encontrei o que chamo de Praça da Fanfarra . Está sempre florida e os ornamentos são permanentes ; espalhados por todos os espaços e ambientes estão materiais que produzem sons , caixas de corda , instrumentos cuja compreensão demorei a ter . Todos os dias , no entanto , aventuro-me em quaisquer deles ; no começo buscava atrair estranhos com os sons , algum habitante , mesmo que fosse do tipo violento ; apenas alguém para escutar minhas breves obras .
8
Gabriel Avellar - RAR Arquitetura © 2017