Madame Eva Nº1 | Page 6

PÁGINAS DO DIÁRIO DE ALÍCIO DINIZ

Dirão

Os parágrafos que seguem foram retirados do diário de Alício Diniz, mantido em um caderno pautado, de capa borgonha, escrito quase que inteiramente em tinta preta e encontrado num quarto de pensão, jogado entre jornais antigos e alguns poucos livros. Com a permissão dos pais de Alício, os editores tornam públicas estas reflexões do autor
PÁGINAS DO DIÁRIO DE ALÍCIO DINIZ
Por Alício Diniz

“ geógrafos que o que distingue as cidades de quaisquer outros tipos de aglomeração é o exagero. Em oposição ao rural, o urbano é capaz de oferecer em excesso. Não basta satisfazer a casa ou a família, é necessário seduzir o vizinho, as pessoas da rua de cima, o bairro inteiro.

Pois bem, cheguei. É, para mim, cidade nova, pequena, de tamanho quase perfeito, cinza agora, mas possessora das quatros estações, estranha. Grita uma pequena parte de mim:“ choque cultural!”. Grita a outra parte:“ descomedido, sabes bem que o capital une, torna tudo homogêneo”. Pensei dias seguidos sobre essa questão. Há, de fato, choque. Se, na rua, sou percebido como estrangeiro, há choque; se, nos contatos, percebem meu sotaque diferente, há estranhamento. Cautela é necessário, no entanto.
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: fui roubado por um taxista. Depois do frustrado, do enraivecido, do merecedor de infortúnios pelas decisões tomadas, cheguei ao cientista social – esse moço arrogante que a gente adora e que tapa qualquer frustração com discussões“ profundas”. Sincero:“ ser roubado é comum e provavelmente nem será a última vez. Ser roubado em terras estranhas faz mal; nos coloca na posição de palerma, parvo”. Entrei no carro saindo de uma festa – dessas que vamos para tapar a cova da noite. O homem era imenso, não que isso importasse, mas sou estrangeiro e não deixo passar nada. Desconhecia propriamente a conversão das moedas, mas a velocidade do taxímetro já me assustava na terceira curva. Che-
Guilherme Diniz © 2016