PÁGINAS DO DIÁRIO DE ALÍCIO DINIZ
Dirão
Os parágrafos que seguem foram retirados do diário de Alício Diniz , mantido em um caderno pautado , de capa borgonha , escrito quase que inteiramente em tinta preta e encontrado num quarto de pensão , jogado entre jornais antigos e alguns poucos livros . Com a permissão dos pais de Alício , os editores tornam públicas estas reflexões do autor
PÁGINAS DO DIÁRIO DE ALÍCIO DINIZ
Por Alício Diniz
“ geógrafos que o que distingue as cidades de quaisquer outros tipos de aglomeração é o exagero . Em oposição ao rural , o urbano é capaz de oferecer em excesso . Não basta satisfazer a casa ou a família , é necessário seduzir o vizinho , as pessoas da rua de cima , o bairro inteiro .
Pois bem , cheguei . É , para mim , cidade nova , pequena , de tamanho quase perfeito , cinza agora , mas possessora das quatros estações , estranha . Grita uma pequena parte de mim : “ choque cultural !”. Grita a outra parte : “ descomedido , sabes bem que o capital une , torna tudo homogêneo ”. Pensei dias seguidos sobre essa questão . Há , de fato , choque . Se , na rua , sou percebido como estrangeiro , há choque ; se , nos contatos , percebem meu sotaque diferente , há estranhamento . Cautela é necessário , no entanto .
[...]
4
: fui roubado por um taxista . Depois do frustrado , do enraivecido , do merecedor de infortúnios pelas decisões tomadas , cheguei ao cientista social – esse moço arrogante que a gente adora e que tapa qualquer frustração com discussões “ profundas ”. Sincero : “ ser roubado é comum e provavelmente nem será a última vez . Ser roubado em terras estranhas faz mal ; nos coloca na posição de palerma , parvo ”. Entrei no carro saindo de uma festa – dessas que vamos para tapar a cova da noite . O homem era imenso , não que isso importasse , mas sou estrangeiro e não deixo passar nada . Desconhecia propriamente a conversão das moedas , mas a velocidade do taxímetro já me assustava na terceira curva . Che-
Guilherme Diniz © 2016