Madame Eva Nº1 | Page 7

gado o meu destino, momento de pagar. Arredondando, fecha tudo em mil. Entrego duas notas de quinhentos. Ele enfia na carteira as duas, olha pra mim e resmunga: entendi que, segundo ele, havia entregado apenas uma nota, faltava a outra metade. Não! Num acesso controlado de raiva enfiei a mão na carteira do brutamontes e retirei as duas notas, demonstrando na minha feição algo como“ está maluco? Aqui estão os mil, oras!”. Ele assustou-se tanto quanto eu, imagino. Dias depois fui entender o porquê da situação não ter degringolado para algo mais violento: jamais deveria ter pago mais do que cerca de trezentos por um trajeto daquele.
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há semanas que percebo uma moça que faz os estudos junto comigo. Ela é linda. Pele entre o branco e o moreno, os olhos são azuis e ela teima em dar um bom dia silencioso quando chega na sala. O corpo é fino, mas não faltam curvas suaves. Há um perfume, que misturado com o cigarro da manhã, do almoço e da tarde, resulta numa essência atrevida ao meu olfato. Ela soa inteligente e toda vez que fala transmite um ar de esclarecimento, parecendo-me que está a par de tudo que ocorre na cena, inclusive dos meus flertes. Demorei a encontrar minha abertura. Como descrevo aqui, já estava no final do septuagésimo terceiro dia. De início, foram conversas amenas, alguns comentários bem-humorados; veio a informação de que havia um namorado e, em seguida, a nota de que ele havia desaparecido. Nossa primeira noite, a despeito do álcool, foi cadenciada; creio que havia um claro sentimento, para ambos, de que terras estrangeiras eram exploradas, algo a anunciar que algum grau de cautela era fundamental. O estudante desavisado em mim diria que foi sexo, trepamos. O estrangeiro fascinado pelos excessos relataria o contato entre os olhos, longo, excessivamente prolixo. Não havia confronto, não se questionava quem primeiro fecharia os olhos ou desviaria o olhar. Foi, sim, encantamento. Aos dezessete não percebemos, mas não há nada mais safado do que quando conversas calcetam o caminho até a penetração. E essa trilha, primeiramente objeto de esforço para a tornar sólida, não endurece à medida que o tempo passa, ao contrário, queda-se cada vez mais fluida, ciente que estávamos da necessidade do improviso.
[...] o tempo submete qualquer um à necessidade de pertencer, o que, de maneira natural, provoca uma busca por territorialização – da geografia, reordenar a paisagem na medida das relações que travamos com o espaço. Por isso, não menosprezo, tampouco jamais fui arrogante a ponto de desdenhar dos pontos de turismo óbvios. Quaisquer que sejam os motivos para o status, contam-se histórias, da escolha ao significado. Cabe, assim, ao turista, e a ele na sua privacidade, dar o humor daquela experiência. Descobri um mosteiro, situado perto da região central. O dia frio não colaborou, mas a cerveja artesanal compensou o mau tempo. Famosa nessa instituição era a biblioteca. As fotos podiam ser tiradas apenas da entrada, pois não estavam as obras disponíveis para o contato próximo do visitante. Daquela posição, percebia-se que os livros, sobretudo aqueles colocados nas prateleiras inferiores, eram enormes. Espalhados por aquele salão estavam alguns globos, com prováveis mapas antigos. O teto da biblioteca era inteiramente ornado com pinturas sagradas. Em retrospecto, até os dias de hoje, a combinação desses três elementos – livros enormes, mapas antigos e teto ornado – parece querer indicar--me algo óbvio. O tempo talvez me ajude, nada sagaz me chegou à cabeça. Conten-