SOBRE MADAME
SOBRE MADAME
Tratemos com respeito nossa antepassada . A ela devemos a condição humana , a sede por tudo que nos provoca e a repetição eterna de erros e redundâncias . Estamos convencidos que as nove musas , da arte , da ciência e da história – filhas de Mnemósine e Zeus – nasceram , na verdade , da abocanhada do fruto proibido . Com ela negamos a residência paradisíaca do Jardim do Éden , em favor deste purgatório real , imbuído de incertezas duvidosas e de convicções infalíveis .
O diabo da serpente seduziu nossa primeira mãe , que seduziu nosso segundo pai , que juntos nos impuseram a atribuição de nexo , significado e valor às coisas mundanas . Antes do fruto , dávamos nomes à fauna e à flora ; depois dele , conhecemos a nudez , tivemos vergonha . Agora , caminhamos desnorteados , reprisando o que já foi pensado , o que já foi dito e o que já foi sentido , reorganizando as palavras de forma a criar novas variações para aquilo que já foi escrito e visto : tautologias infinitas no legado poético de nosso tempo .
Criar é , fundamentalmente , recriar . Não renomeando o que já está , mas reorganizando as ideias , a fim de se apoderar do mundo . Não naquela tradição filosófica pré-socrática que dizia alojar no fígado e no diafragma as ideias formuladas , ou na tradição teológica dos medievais que diziam o mesmo , embora as alojando no coração . Nem na atual tendência cientificista que reserva tal função ao cérebro . Nós pensamos andar em outra direção , a de reverter as ideias ao mundo .
Um poeta , feito romancista , certa vez quis saber quantas vezes não estancamos diante de uma palavra escrita há séculos , e cheios de inveja daríamos a vida pela alegria de tê-la pronunciado primeiro . No entanto , é imperioso afirmar : não pretendemos a primazia ; daremos , sim , a vida pela repetição . Pois a verdade e a beleza não estão nas bibliotecas trancafiadas , nas ideias finitas , nas imagens perfeitas , mas nas releituras reescritas da repetição de um velho novo .
Nossa revista tem um propósito simples : ser escrita para ser lida . Quando nos perguntarem quem somos , responderemos como Deus a Moisés :
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