Madame Eva Nº1 | Page 5

SOBRE MADAME
SOBRE MADAME

Tratemos com respeito nossa antepassada. A ela devemos a condição humana, a sede por tudo que nos provoca e a repetição eterna de erros e redundâncias. Estamos convencidos que as nove musas, da arte, da ciência e da história – filhas de Mnemósine e Zeus – nasceram, na verdade, da abocanhada do fruto proibido. Com ela negamos a residência paradisíaca do Jardim do Éden, em favor deste purgatório real, imbuído de incertezas duvidosas e de convicções infalíveis.

O diabo da serpente seduziu nossa primeira mãe, que seduziu nosso segundo pai, que juntos nos impuseram a atribuição de nexo, significado e valor às coisas mundanas. Antes do fruto, dávamos nomes à fauna e à flora; depois dele, conhecemos a nudez, tivemos vergonha. Agora, caminhamos desnorteados, reprisando o que já foi pensado, o que já foi dito e o que já foi sentido, reorganizando as palavras de forma a criar novas variações para aquilo que já foi escrito e visto: tautologias infinitas no legado poético de nosso tempo.
Criar é, fundamentalmente, recriar. Não renomeando o que já está, mas reorganizando as ideias, a fim de se apoderar do mundo. Não naquela tradição filosófica pré-socrática que dizia alojar no fígado e no diafragma as ideias formuladas, ou na tradição teológica dos medievais que diziam o mesmo, embora as alojando no coração. Nem na atual tendência cientificista que reserva tal função ao cérebro. Nós pensamos andar em outra direção, a de reverter as ideias ao mundo.
Um poeta, feito romancista, certa vez quis saber quantas vezes não estancamos diante de uma palavra escrita há séculos, e cheios de inveja daríamos a vida pela alegria de tê-la pronunciado primeiro. No entanto, é imperioso afirmar: não pretendemos a primazia; daremos, sim, a vida pela repetição. Pois a verdade e a beleza não estão nas bibliotecas trancafiadas, nas ideias finitas, nas imagens perfeitas, mas nas releituras reescritas da repetição de um velho novo.
Nossa revista tem um propósito simples: ser escrita para ser lida. Quando nos perguntarem quem somos, responderemos como Deus a Moisés:

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