OS LOSANGOS DE ELÁDIO
Lá pelo quarto ano de medicina, em meio às matérias de obstetrícia, os estudantes aprendem que, quando unida a apófise espinhosa da quinta vértebra lombar às espinhas ilíaca póstero-superiores que manifestam suaves declives( covas de Vênus) e à extremidade superior do sulco interglúteo, se forma um quadrilátero conhecido pelo nome de seu progenitor: Losango de Michaelis. A forma imaginária, desenhada no dorso feminino ainda no século XIX por Gustav Adolf Michaelis, é utilizada até os dias de hoje para avaliar a pelvimetria interna de uma gestante.
O normal é que o aspirante a doutor aprenda, anote e guarde na memória a vaga lembrança dessa figura geométrica. Que tenha noção de que, se a moça apresentar uma deformidade pélvica, existem alternativas ao pelvímetro de beaudelocque capazes de proporcionar uma projeção relativamente precisa dos diâmetros transverso e ântero-posterior da bacia da mulher.
Não foi de todo o que aconteceu com o jovem Eládio Santos, cujos interesses nunca rondaram propriamente em torno das atividades médicas. Como ele teria chegado ao quarto ano, seus colegas não sabiam. Era notória sua intenção de diplomar-se apenas para poder oferecer seu título como carta credencial a algum reminiscente barão que lhe pudesse oferecer a mão de uma filha. Ninguém duvidava: ele aposentar-se-ia no dia seguinte à colação de grau. O pobre rapaz mareava-se na presença de qualquer gota
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OS LOSANGOS DE ELÁDIO
Por Gerson Gutierrez
de sangue, não tinha cabeça para guardar os sintomas e recomendações das mazelas mais comuns. Não tinha nada de médico.
À aula do Professor Dr. Ferreira Ramos, no entanto, quando eram traçadas no quadro negro aquelas quatro retas, Eládio prestou atenção. Deve ter sido a primeira vez em toda sua temporada no Recolhimento das Órfãs que se envolveu deveras com a matéria lecionada. Fez perguntas, pediu referências, anotou tudo que se pronunciou na sala. Para mais de três folhas de caderno só sobre o Losango de Michaelis!
No dia seguinte à aula de gestações de risco, Eládio comprou uma régua. Uma não, várias. Comprou uma régua paralela, outra em T, outra de cálculo. Comprou compasso, escalímetro, espirógrafo, goniômetro, pantógrafo, plotador, além de uma fita métrica de alfaiate que não tirava do bolso.
Aliás, a história da fita é bem ilustrativa da transformação que ocorrera nas prioridades de Eládio. Precisando servir-se dela para suas investigações cotidianas, confeccionou, com mola e dedal, um instrumento que vestia sua mão permitindo--lhe com o polegar e