Madame Eva Nº1 | Page 24

guos “ ésses ”, que ora se juntavam com os “ ós ”, ora se confundiam com os “ seis ”, o que fazia voltar o medo de não conseguir dar conta de visualizar os duzentos e seis que era esperado que contasse .
As alamedas faziam-se avenidas , que se faziam ruas , que se faziam vielas , que se faziam becos , que se faziam sinistros corredores mal-assombrados em granito , mármore e cimento branco .
-Talvez por isso me escolheram , pensou , sou o único que não acredita em assombrações .
Em outras circunstâncias , teria sorrido ironicamente de si para si . Em outras circunstâncias . Ali , seu inconsciente o deteve e soçobrou tais ideias ao fundo do seu consciente . Não acreditar em assombrações queria dizer que não pensava nelas , mas se obrigado a pensar , sabe-se lá a que conclusão chegaria .
-Estou aqui porque me julgaram o mais frio .
Vinham-lhe umas providências à cabeça , achou por bem focar-se nelas . Era uma estratégia que usava desde menino , a cada vez que duvidava de suas competências : pensava em coisas práticas que não comprometessem o entendimento abstrato que tinha do mundo . Era o “ contar carneirinhos ” que ensinam às crianças insoniosas .
A caravana parou e os três homens que a guiavam começaram a falar menos . Tomaram suas posições e puseram-se a trabalhar . À inconveniência da chuva juntaram-se as moscas-mirins . Só Tarso parecia incomodado . Com dois cilindros e uma alavanca de ferro , a placa de granito deslizou com repiques por cima do nome de família de seus vizinhos eternos .
Aos olhos esgazeados , viu a decomposição da madeira e teve certeza de não querer ver mais nada ! Faltava , porém , contar duzentos e seis , afinal , ele era o mais frio dentre os irmãos e não acreditava em assombrações . Com dois passos curtos , aproximou-se e inclinou a cabeça , um pouco por respeito , um pouco para ver melhor . Não tardou para que a conversa dos três homens aos poucos voltasse . Tarso manteve a angulação do guarda-chuva , de sorte a que nenhum dos presentes pudessem ver sua face .
Começou a contagem . Uma fiscalização , mais do que qualquer outra coisa . E se lhe fugisse um ? Ninguém nunca saberia . Mas não podia faltar . Tarso manteve-se atento , aproximou-se mais – revirou-se seu estômago – cerrou o punho que não segurava o guarda-chuva , franziu a testa , para encarar sozinho e em silêncio aquele atentado à carne .
A coisa toda não demorou mais do que cinco minutos e quando os homens lhe comunicaram o término , Tarso quis permanecer ali mais uns quantos instantes . O difícil , ele já sabia , era a vida depois de visualizar os duzentos e seis . Voltou a lembrar-se da imagem que seus irmãos tinham dele , e isso o reconfortou de certa forma . Nenhum outro irmão aguentaria aquele fardo .
Voltou pelo corredor que se fez alameda . Passou pelo arco em madeira , ricamente adornado , com um senso de dever cumprido , onde foi recepcionado por sua irmã mais nova . E aquele abraço apertado fê-lo sentir duzentos e seis . Um por um vieram seus familiares agradecê- -lo e toda vez era duzentos e seis .
Aos olhos de Tarso , os homens reduziam-se agora àqueles duzentos e seis que havia sido encarregado de contar . O pó ao qual voltamos são os duzentos e seis que nos acompanham na vida e na morte . A única permanência , pensou ,

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