Madame Eva Nº1 | Page 23

DUZENTOS E SEIS
DUZENTOS E SEIS
Por Gastão Albuquerque

Duzentos e seis . Não podia faltar nenhum , mas que dor de cabeça contar àquela altura . A chuva , de tão fina , fazia-se mais uma umidade relativa do ar alta que pingos de água em queda livre . Que dia para sapatos de camurça . Pelo menos o guarda-chuva familão o mantinha seco . Tarso reconheceria o local , mas não saberia chegar sozinho . Lembrava que perto havia uma cruz sobressalente , repousada em uma base piramidal erguida por quatro colunas , e já a avistava à distância . Mas é tanta coisa que passa pela cabeça de um filho , que ele logo admitiu ser insuficiente qualquer referência sem sua relação com onde queria chegar .

Queria , não . Tinha . Pois era por mero senso de obrigação que estava ali , com os óculos de leitura no bolso , prestes a participar daquela purga matemática . E nisso pensava enquanto seguia as pás , picaretas e sacos , acomodados num carrinho de mão conduzido pelo menor dos três homens que o guiavam .
-Duzentos e seis , pensou , tenho que visualizar e contar duzentos e seis .
Não sabia como , coitado , mas havia sido convocado dentre os seis filhos ainda em vida , para contar cada um dos duzentos e seis . Seu nome apareceu como a escolha automática aos irmãos , não por sua competência , mas por sua vocação . O primo Vômer ofereceu-se para ir com ele , mas certas obrigações são solitárias , e Tarso preferiu ir só .
À medida que diminuíam a distância , os caminhos iam se estreitando , e os membros daquela macabra procissão se ajuntavam , reduzindo o espaço entre eles . Tarso não decifrava os nomes e datas a seu redor , seus olhos percebiam apenas os “ dois ”, os “ seis ” e os “ zeros ” que se confundiam com os “ ós ”. Surgiam também os ambí-
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