longe ; Lauro fez-se padre , cuida dos pecados de toda uma paróquia ; Marcos é advogado criminalista , vive defendendo o direito de vítimas anônimas .
Os pontos seguintes levam os nomes de outros familiares : meus quatro avós , cinco tios , oito primos . Meus pais ? Achei melhor não os envolver no drama do meu esfacelamento . Deram-me a vida , e eu não soube retribuir . Ademais , cada vez que olho para as cicatrizes inteiras , penso neles . A esquerda me lembra papai ( canhoto ), a direita , mamãe .
Outros quatro pontos fecham o zigue-zague de linhas que sarou minha ferida : ; e . Carina , meu primeiro amor , traiu-me nos braços de Pablo , com quem compartilhei segredos e angústias . Um tanto clichê , eu sei , mas que que se pode fazer ? Nós mortais estamos sujeitos às repetições do óbvio . Não é porque já foi sofrido por outros que não somos nós , também , fadados a sofrer . Andrea e Débora ? As duas filhas que poderiam ter sido minhas , mas que chamam de pai e amenizam a solidão de outro homem .
No braço direito , os três primeiros pontos têm os nomes daquelas que me ensinaram a ler e escrever . Quando – como agora – empunho um lápis , vejo abaixo do osso pisiforme os três pontos que são , e . Se hoje encontro a companhia das palavras , devo a elas esse alívio à solidão . Que fim as terá levado ? Fim ? Não . Estão comigo neste texto , em todo texto – lido ou escrito .
( Será que eu continuo ?)
: porteiro do meu prédio cumprimentava-me todos os dias – um “ tudo bom ” protocolar . Todos os dias , mentíamos um para o outro , disfarçando nossa solidão . Eu caminhava para o vazio , enquanto ele sentava de frente ao vácuo de sua televisão , louco para conversar com alguém ;
“ ”: não sei seu nome , mas tinha uma tatuagem da Alice no País das Maravilhas abaixo do ombro direito , daí a alcunha . Conhecia-a numa noite de excessos , fomos à cama e de manhã cada um seguiu seu rumo , sem se preocupar em quem era quem , satisfeitos por terem saciado um desejo físico , mesmo que ignorando suas possibilidades existenciais ;
: um mendigo que dormia na minha rua e falava sozinho . Nunca soube dizer se os diálogos travados consigo mesmo eram por loucura ou solidão ;
: um colega de colégio , homônimo do Santo em cujo hospital me internaram – é curioso como nos lembramos de quem não se lembra de nós . Lembrei-me de Lucas , ao ver seu nome bordado nos lençóis do leito que me acolhia , e dei-lhe um ponto ;
: o mulherengo , sempre muito bem acompanhado , é talvez o ser mais solitário que conheço ;
: aspirante a vereadora , em quem votei nas últimas eleições , por desconhecer os outros candidatos . ( Coitada , teve menos
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