lavras são , sim , finitas , mas os resultados de seus sequenciamentos , não . E é nessa infinidade de resultados que o homem soube , ao longo dos séculos , a beleza , cada qual à sua maneira . Criam-se filmes ou esculturas de belezas momentâneas , compreensíveis , mas , também : discutíveis . Pois a beleza criada não é absoluta , nem unânime , ela é trabalhada e edificada pelo homem , pelo artista . ( Aliás , nisso está boa parte do que é a beleza , na criação !)
Agora , valho-me das palavras do velho Nietzsche , em seu “ Crepúsculo dos Ídolos ”, Sr . Sampaio , a fim de devolver um pouco da arrogância de seu discurso – todo retalhado em abundantes e desnecessárias citações . Diz-nos o alemão que “ nada é belo , apenas o ser humano é belo ”, e que essa é a única verdade estética , essa e a sua contrapartida : que “ nada é feio , exceto o ser humano ” 1 . Essa é a verdadeira e única delimitação que se pode fazer na esfera do julgamento estético , a valoração a partir dos olhos e ideais do homem . Tudo passa pelo homem , tudo .
Para carregar ainda mais de citações esta resposta , Sr . Sampaio , – em uma tentativa quase vã de lhe conquistar com suas próprias armas – lembremos as palavras do acadêmico francês , Salomon Reinach 2 , para quem a arte é “ um luxo e um jogo (...) um fenômeno social ”. Ensina-nos o professor que desde a pré- -história o ofício de adornar – embelezar , se me permitem o salto morfológico – é dirigido externamente : aos companheiros da experiência mundana . A beleza tem e sempre teve propósito : comunicar , convencer , enfeitar , assombrar outrem . Os “ rabiscos milenares da Lagoa Santa ”, a que o senhor se refere , são , para Reinach , os primeiros passos da humanidade no caminho ao culto : ou seja , há , ali também , uma mensagem explícita que extrapola a mera estética , não são ilustrações decorativas .
Por fim , em seu “ Desabafo ”, o Sr . Sampaio atribuiu o fracasso contemporâneo da busca pelo belo à supervalorização dos elementos simbólicos , em detrimento dos estéticos . Mas , indago aos colegas , se a beleza existe como ideal absoluto , como advoga o Sr . Sampaio , como é que ela pode ser ofuscada por ideias mundanas menos poderosas ? Como é que interesses políticos , por exemplo , conseguem superar a força da perfeição de uma suposta beleza absoluta , que esse patife defende ? Percebe-se com facilidade a fragilidade de seu aranzel , Sr . Sampaio .
Denuncio , pois , essa palhada infantil que busca retirar a função comunicativa da arte em favor de uma beleza universal sem propósito , sem interpretação e que não se revela aos homens , existindo apenas como uma farsa metafísica na cabeça de uns quantos demagogos como esse Sr . Sampaio . A beleza é um processo edificante , arquitetada por aqueles que têm algo a dizer e que se utilizam das mais variadas ferramentas para elevar sua mensagem ao mais alto nível do entendimento e do gozo humano .
1 O trecho citado pelo autor é retirado da tradução do professor Paulo César de Souza da obra Crepúsculo dos ídolos ou como se filosofa com o martelo , de Friedrich Nietzsche , publicada pela Companhia das Letras , 2006 . ( Nota do editor .)
2 Histoirador e arqueólogo francês , famoso por seu manual de história da arte “ Apollo : histoire générale des arts plastiques ”. ( Nota do editor .)
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Cândido Palmelo © 2016