Madame Eva Nº1 | Page 15

lavras são, sim, finitas, mas os resultados de seus sequenciamentos, não. E é nessa infinidade de resultados que o homem soube, ao longo dos séculos, a beleza, cada qual à sua maneira. Criam-se filmes ou esculturas de belezas momentâneas, compreensíveis, mas, também: discutíveis. Pois a beleza criada não é absoluta, nem unânime, ela é trabalhada e edificada pelo homem, pelo artista.( Aliás, nisso está boa parte do que é a beleza, na criação!)
Agora, valho-me das palavras do velho Nietzsche, em seu“ Crepúsculo dos Ídolos”, Sr. Sampaio, a fim de devolver um pouco da arrogância de seu discurso – todo retalhado em abundantes e desnecessárias citações. Diz-nos o alemão que“ nada é belo, apenas o ser humano é belo”, e que essa é a única verdade estética, essa e a sua contrapartida: que“ nada é feio, exceto o ser humano” 1. Essa é a verdadeira e única delimitação que se pode fazer na esfera do julgamento estético, a valoração a partir dos olhos e ideais do homem. Tudo passa pelo homem, tudo.
Para carregar ainda mais de citações esta resposta, Sr. Sampaio, – em uma tentativa quase vã de lhe conquistar com suas próprias armas – lembremos as palavras do acadêmico francês, Salomon Reinach 2, para quem a arte é“ um luxo e um jogo(...) um fenômeno social”. Ensina-nos o professor que desde a pré--história o ofício de adornar – embelezar, se me permitem o salto morfológico – é dirigido externamente: aos companheiros da experiência mundana. A beleza tem e sempre teve propósito: comunicar, convencer, enfeitar, assombrar outrem. Os“ rabiscos milenares da Lagoa Santa”, a que o senhor se refere, são, para Reinach, os primeiros passos da humanidade no caminho ao culto: ou seja, há, ali também, uma mensagem explícita que extrapola a mera estética, não são ilustrações decorativas.
Por fim, em seu“ Desabafo”, o Sr. Sampaio atribuiu o fracasso contemporâneo da busca pelo belo à supervalorização dos elementos simbólicos, em detrimento dos estéticos. Mas, indago aos colegas, se a beleza existe como ideal absoluto, como advoga o Sr. Sampaio, como é que ela pode ser ofuscada por ideias mundanas menos poderosas? Como é que interesses políticos, por exemplo, conseguem superar a força da perfeição de uma suposta beleza absoluta, que esse patife defende? Percebe-se com facilidade a fragilidade de seu aranzel, Sr. Sampaio.
Denuncio, pois, essa palhada infantil que busca retirar a função comunicativa da arte em favor de uma beleza universal sem propósito, sem interpretação e que não se revela aos homens, existindo apenas como uma farsa metafísica na cabeça de uns quantos demagogos como esse Sr. Sampaio. A beleza é um processo edificante, arquitetada por aqueles que têm algo a dizer e que se utilizam das mais variadas ferramentas para elevar sua mensagem ao mais alto nível do entendimento e do gozo humano.
1 O trecho citado pelo autor é retirado da tradução do professor Paulo César de Souza da obra Crepúsculo dos ídolos ou como se filosofa com o martelo, de Friedrich Nietzsche, publicada pela Companhia das Letras, 2006.( Nota do editor.)
2 Histoirador e arqueólogo francês, famoso por seu manual de história da arte“ Apollo: histoire générale des arts plastiques”.( Nota do editor.)

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Cândido Palmelo © 2016