Madame Eva Nº1 | Page 11

DESABAFO DE UM POETA
Os dois textos que seguem são resultado do caloroso debate travado entre o Sr. Cristiano Sampaio e o Sr. Luís de Castelões, na Conferência Anual da Associação de Estetas Brasileiros, sobre a Influência da Doutrina Encomiástica no Florecimento da Arte Pós-Estruturalista, realizada em Salvador, no dia 22 de dezembro de 2016. No primeiro dia de trabalhos, o Sr. Sampaio subiu à tribuna para proferir sua Palestra, intitulada“ Desabafo de um poeta”, fruto de seu descontentamento com o atual panorama da estética nacional. Mal terminou de falar, pedia a palavra o Sr. Castelões para apresentar sua“ Resposta”. Os animos acaloraram-se e os dois senhores tiveram que ser retirados do anfiteteatro da Irmandade do Carmo. A Madame Eva, Revista de Tautologias, achou por bem trazer a seus leitores esse debate, que é, ele mesmo, mais velho que a Sé da Bahia, publicando na integra os dois discursos.
“ Tantas pessoas que escrevem e tão poucas que leem! É fato: cada vez se lê menos...(...) Isto acabará numa catástrofe, bem impregnada de horrores! Hão de mandar para o inferno tudo o que é impresso; e será um milagre se o melhor, no fundo, não se igualar com o pior.”
, Os subterrâneos do Vaticano.
DESABAFO DE UM POETA
Por Cristiano Sampaio
Meus senhores, faço aqui um desabafo, como poeta,

Merda, merda todo mundo faz. Resolvi começar este discurso com um palavrão. E resolvi chamá-lo de“ palavrão”, porque“ palavra de baixo calão” soa pedante pra caralho.( Olha aí, mais um palavrão!) Meu tempo, afinal, é esse, é o tempo do passageiro. Das frases. Curtas. Minha geração acha que não tem tempo para firulas. O verso livre há muito perdeu seu prazo de validade, como disse o Borges, acho( e apenas acho, porque não vou lá procurar o diabo da citação que não interessa a ninguém) 1. Ninguém( e vou repetir“ nin-

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1 Borges não disse exatamente isso, disse“ Como todo joven poeta, yo creí alguna vez que el verso libre es más fácil que el verso regular; ahora sé que es más arduo y que requiere la íntima convicción de ciertas páginas de Carl Sandburg o de su padre, Whitman.”, no Prólogo de Poesía Comguém”, assim, sequencialmente, porque ninguém dá um puto pela diversificação vocabular), ninguém tem paciência para a métrica, para a rima, para as amarras e heranças estéticas“ do século passado”. Porra, se alguém lê o teu texto já é muita coisa!
Então é isso. Ninguém se preocupa com a estética. Por quê? Eu tenho cá pra mim que foram os cuzões da politologia que conseguiram invadir o espaço dos artistas e politizar a beleza. Politizar explicitamente, tomando os artistas todos, criando um“ monopólio da arte”, sem se preocuparem com a beleza, e só chamando de artista aquele que tem alguma coisa a dizer. Alguma coisa, qualquer coisa, desde que alinhada com um discurso.
A“ arte pela arte” é ridicularizada! O“ ócio com dignidade” é mais feio que
pleta, Ediciones Destino, 2010.( Nota do editor.)