Madame Eva Mme Eva quinto numero | Page 7

Para os conhecedores do jogo po- lítico facial, poucas verdades são tão cer- tas quanto o conflito permanente entre os lábios: pra quem não sabe, briga de lábios não é coisa infrequente. Existe uma rivalidade natural entre eles, o que por si só não é de todo preocupante, pois as outras partes do rosto sempre dão um jeito de colocar panos quentes e minimi- zar qualquer extrapolação das vaidades. Não é à toa que os rostos mais tranquilos são aqueles de lábios finos, menos infla- dos por manias de grandeza e mais fáceis de serem domados – em especial aqueles com apenas um filete mínimo de lábio superior; naturalmente, entre os dois, os de cima são considerados os mais bri- gões. Como em toda briga, os amigos de cada lábio começaram a se solidarizar e a construir um discurso coerente em defesa de quem achavam estar com a ra- zão. As duas narinas estavam com o lá- bio superior, por uma questão de proxi- midade; as bochechas, sensíveis que são, articulavam pela inocência do lábio infe- rior. De resto, o rosto se configurava como um tabuleiro de in- teresses cruzados: a orelha direita e o olho esquer- do pediam pelo lábio de baixo; o olho direito e a orelha es- querda, pelo de cima. Os dentes não se entendiam: a esperada aliança re- gional não se verificou, com os incisivos do arco superior se juntando ao lá- bio de baixo e os molares do arco inferior se juntando ao lábio de cima. Apesar de tantos apelos, a paz não veio e o 5 bava de sua rigidez para manter a boca fechada e acusava o outro de passar a noite frouxo, deixando a saliva escorrer boca afora, o inferior se dizia persegui- do pelas leis da natureza. A tal da lei da gravidade, sim, ela sempre o colocava em desvantagem! Por que que nada nun- ca escorre pra cima? Tudo sempre só cai pra baixo, que culpa tinha ele...?