A BRIGA DOS LÁBIOS
Por Augusta Rubim
“Você fura o pano, nada mais;
eu é que coso, prendo um pedaço ao outro,
dou feição aos babados... ”
Machado de Assis,
C
erto dia, o lábio de cima acordou
brigado com o lábio de baixo.
Coisa de criança, um acúmulo de
reclamações do vizinho. Aquela noite
havia sido particularmente penosa, por-
que o lábio inferior não parou de se re-
mexer e transgredir os limites físicos de
seu lugar na boca.
- E todo dia que você acorda com
os cantos babados? É culpa do maxilar
que eu depois sou usado como rodo pra
te secar!? É culpa do maxilar?!
-Minha não é, responderam os
dois lábios em silêncio.
-Eu não tenho culpa, eximia-
-se o de baixo, é o maxilar que
não pára quieto e me faz ro-
çar contra você! É o ma-
xilar...
O de cima
não lhe deu ou-
vidos. Ora, cada
um que contro-
le suas influên-
cias!
Afinal,
ele tinha um
crânio inteiro
para domar
e assim fazia.
Não podia ser
mais difícil
controlar um
maxilar
do
que um crâ-
nio! Mas o de
baixo, coitado,
insistia em sua
inocência, pedia
desculpas mesmo
alegando não ter
culpa, o que só pro-
vocou ainda mais a ira
do lábio de cima.
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Enquanto o lábio superior se ga-