Madame Eva Mme Eva quinto numero | Page 24

OS PINCÉIS DE ARTHUR ZUCCARI Por Guillermo Halim M eu saudoso amigo, José Rivera, dizia que a vida dum artista co- meça com a escolha de suas fer- ramentas. A ânsia expressiva de todos aqueles que se pretendem artistas é algo incontrolável, uma pujança da alma que precisa vir à tona, mas que só se liberta por completo com o utensílio adequado. Não à toa, muitos artistas flertam com outras formas de expressões nessa busca pelo instrumento certo, sendo comum que poetas dedilhem violas, escultores construam versos, dançarinos encenem peças... Como também é comum que ro- mancistas comecem escrevendo poemas, até encontrarem na prosa sua voz. Mas Rivera, creio, referia-se à ferramenta mesmo: ao escritor que prefere o lápis à maquina, ou ao computador, para con- seguir escrever o que quer. Costumava dizer que a imagem desliza naturalmen- te da alma do pintor às telas do quadro, quando ele por fim reconhece nos fios do pincel a extensão de seu corpo. vam e as mulheres o distraiam, outra coi- sa o movia. Aquela vontade expressiva que só quem tem, sente. Arthur esmo- recia-se com a limitação de suas obras, elas o irritavam, faltavam-lhas possança transcendental! Faltavam-lhas o berro interior de um traçado que ele já imagi- nava, mas ainda desconhecia! No fundo, faltavam-lhas os pincéis certos. A aflição que consumia o jovem pintor ameaçava interromper sua pro- dução de “quadros frívolos de nenhum valor” em favor de um “emprego sério”, segundo relatavam alguns amigos. Foi quando seus lamentos chega- ram aos ouvidos de Jorge Fontana, violi- nista aposentado dos palcos mais presti- giosos do mundo. Quando moço, tocou no Scala de Milão, no Colón de Buenos Aires, no Velarde de Valparaíso e até no Municipal do Rio de Janeiro. Àquela al- tura, porém, já em idade avançada, Jorge Fontana atuava apenas em restaurantes e bares da noite soteropolitana. Seus mo- vimentos não obedeciam mais os com- Penso ter sido essa a angústia vivi- passos da música e o coitadinho se via da por Arthur Zuccari, naqueles dias em obrigado a reproduzir canções vulgares, que se postava perdido diante dos incon- para distrair o falatório noturno e ganhar táveis pincéis da Casa Gomes, no Largo seus trocados nos bares do Rio Vermelho. da Piedade, sem encontrar um que lhe Ao saber do caso de Arthur Zuc- servisse de fato. Talento ele já tinha – cari, Jorge Fontana convenceu-se de que aquela junção, pouco usual, de técnica e visão, que há séculos consagra os grandes tinha de intervir. Resolveu prestar uma mestres. Faltava-lhe, porém, a extensão visita ao jovem talento também amaldi- do corpo, aquela intimidade pagã com o çoado pela frustração expressiva, que ele conhecia tão bem. instrumento escolhido. Enganam-se os que pensam que sua frustração era atenuada pelo suces- so que seus quadros faziam entre mar- chands e mulheres. -Este lugar está tomado? (O encontro deu-se num bar na Graça,) Pois se os marchands o sustenta- 22 -Não, fique à vontade.