OS PINCÉIS DE ARTHUR ZUCCARI
Por Guillermo Halim
M
eu saudoso amigo, José Rivera,
dizia que a vida dum artista co-
meça com a escolha de suas fer-
ramentas. A ânsia expressiva de todos
aqueles que se pretendem artistas é algo
incontrolável, uma pujança da alma que
precisa vir à tona, mas que só se liberta
por completo com o utensílio adequado.
Não à toa, muitos artistas flertam com
outras formas de expressões nessa busca
pelo instrumento certo, sendo comum
que poetas dedilhem violas, escultores
construam versos, dançarinos encenem
peças...
Como também é comum que ro-
mancistas comecem escrevendo poemas,
até encontrarem na prosa sua voz. Mas
Rivera, creio, referia-se à ferramenta
mesmo: ao escritor que prefere o lápis à
maquina, ou ao computador, para con-
seguir escrever o que quer. Costumava
dizer que a imagem desliza naturalmen-
te da alma do pintor às telas do quadro,
quando ele por fim reconhece nos fios do
pincel a extensão de seu corpo.
vam e as mulheres o distraiam, outra coi-
sa o movia. Aquela vontade expressiva
que só quem tem, sente. Arthur esmo-
recia-se com a limitação de suas obras,
elas o irritavam, faltavam-lhas possança
transcendental! Faltavam-lhas o berro
interior de um traçado que ele já imagi-
nava, mas ainda desconhecia! No fundo,
faltavam-lhas os pincéis certos.
A aflição que consumia o jovem
pintor ameaçava interromper sua pro-
dução de “quadros frívolos de nenhum
valor” em favor de um “emprego sério”,
segundo relatavam alguns amigos.
Foi quando seus lamentos chega-
ram aos ouvidos de Jorge Fontana, violi-
nista aposentado dos palcos mais presti-
giosos do mundo. Quando moço, tocou
no Scala de Milão, no Colón de Buenos
Aires, no Velarde de Valparaíso e até no
Municipal do Rio de Janeiro. Àquela al-
tura, porém, já em idade avançada, Jorge
Fontana atuava apenas em restaurantes e
bares da noite soteropolitana. Seus mo-
vimentos não obedeciam mais os com-
Penso ter sido essa a angústia vivi- passos da música e o coitadinho se via
da por Arthur Zuccari, naqueles dias em obrigado a reproduzir canções vulgares,
que se postava perdido diante dos incon- para distrair o falatório noturno e ganhar
táveis pincéis da Casa Gomes, no Largo seus trocados nos bares do Rio Vermelho.
da Piedade, sem encontrar um que lhe
Ao saber do caso de Arthur Zuc-
servisse de fato. Talento ele já tinha –
cari,
Jorge
Fontana convenceu-se de que
aquela junção, pouco usual, de técnica e
visão, que há séculos consagra os grandes tinha de intervir. Resolveu prestar uma
mestres. Faltava-lhe, porém, a extensão visita ao jovem talento também amaldi-
do corpo, aquela intimidade pagã com o çoado pela frustração expressiva, que ele
conhecia tão bem.
instrumento escolhido.
Enganam-se os que pensam que
sua frustração era atenuada pelo suces-
so que seus quadros faziam entre mar-
chands e mulheres.
-Este lugar está tomado?
(O encontro deu-se num bar na
Graça,)
Pois se os marchands o sustenta-
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-Não, fique à vontade.