Madame Eva Mme Eva quinto numero | Page 23

CONTINUANÇAS Por Bruna Viana T 21 oca a música que você dançava. Bêbada, imito você. Ninguém sabe, ninguém vê. Ninguém per- cebe que é seu jeito de mexer os ombros. Eu acho graça, mas levo a sério o ritu- al: é uma forma de continuar você. Faço outras horas, diversas vezes. Escuto um canto de um pássaro. Paro em frente à árvore. Ando sem esticar os joelhos. Es- colho frutas aos sábados. Converso prefe- rências por ir a pé. Por acordar mais cedo. Por implicar com atrasos. Que será que a gente é, afinal, se não um somado de continuâncias? Onde é que tá a vida que é da gente mesmo? Eu continuo você. Continuo Elmar, Arlinda e aquela me- nina que conheci no colégio. Continuo gente que conheci pouquinho, mas que me dá de continuar. Continuo porque me mata a saudade do peito. Porque é uma graça essa de estar viva e continuar a vida de quem não pode- por falta de vida ou presença. Talvez, por isso a vida con- tinue. Até o momento que a gente pare para que outro continue o que a gente é – ainda que a gente nem saiba o que é - se é que existe algo que é da gente mesmo, separado de tantas continuanças. Vai saber. Até lá, sei, continuar você é força que me dá para continuar.