CONTINUANÇAS
Por Bruna Viana
T
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oca a música que você dançava.
Bêbada, imito você. Ninguém
sabe, ninguém vê. Ninguém per-
cebe que é seu jeito de mexer os ombros.
Eu acho graça, mas levo a sério o ritu-
al: é uma forma de continuar você. Faço
outras horas, diversas vezes. Escuto um
canto de um pássaro. Paro em frente à
árvore. Ando sem esticar os joelhos. Es-
colho frutas aos sábados. Converso prefe-
rências por ir a pé. Por acordar mais cedo.
Por implicar com atrasos. Que será que
a gente é, afinal, se não um somado de
continuâncias? Onde é que tá a vida que
é da gente mesmo? Eu continuo você.
Continuo Elmar, Arlinda e aquela me-
nina que conheci no colégio. Continuo
gente que conheci pouquinho, mas que
me dá de continuar. Continuo porque me
mata a saudade do peito. Porque é uma
graça essa de estar viva e continuar a
vida de quem não pode- por falta de vida
ou presença. Talvez, por isso a vida con-
tinue. Até o momento que a gente pare
para que outro continue o que a gente é
– ainda que a gente nem saiba o que é - se
é que existe algo que é da gente mesmo,
separado de tantas continuanças.
Vai saber.
Até lá, sei, continuar você é força
que me dá para continuar.