Madame Eva Mme Eva quinto numero | Page 15

DE PUNHOS CERRADOS Por Diogo Brito D e punhos cerrados, seus olhos se fixaram ao vazio explícito de um abismo em ausência. Nem toda semente será arada! Umas quantas tom- bam no cimento duro e secam ao sol a pino da solidão. Outras tantas, é verda- de, rolam pelas profundezas da escória humana, sem propósito, sem sentido, e poucas, de fato, fecundam. Não se re- produz uma espécie pelo gozo de um ho- mem. do torna a cerrar os punhos, para o fla- gelo do corpo, para a ignomínia da alma. Era, então, um coquetel veneno- so desenfreado que lhe fugia do contro- le. Como aquilo tudo, aliás, lhe fugia do controle. Poucos contemplam, poucos explicam, poucos percebem a força co- lossal daquele êxtase peçonhento. Salve- -se quem puder! É preciso fugir da cul- minação turgescente dos outros! Nunca se sabe as siglas que ali se escondem. É preciso fugir até da nossa culminação turgescente! Salve-se, se puder! Nunca sabemos os perigos que carregamos em nós. O abismo se reproduz pela ausên- cia de um campo fértil. Tudo é solidão, no suspiro derradeiro do prazer. Tudo. Veio-lhe um alívio momentâneo, como que se uns demônios lhe tivessem sido expulsos do corpo. Momentâneo. Pois, em instantes – horas – dias – minutos – meses – não importa! –, em instantes, tornava à ardorosa condição de homem. Sim, sempre se retorna à mani- nha condição sepulcral, de uma condenação padecente. Bate uma, bate duas: bate, bate, bate e bate. Só pára quando lhe vem em soluços descontrolados um sentimento vivo de glória. Sim, venceu-se a si mes- mo, ao derrotar-se mais uma vez. Mas não se semeia nada com a agonia vertida em vão, pois para das trevas tirar um raio e dá-lo à luz: não basta bater. Põe-se de pé, limpa-se, recusa-se a olhar-se no espelho: quanto mais só, me- lhor. O veneno também contagia pelo olhar. Mas num descuido casual, vê seu reflexo no vidro da janela: quem sabe o poder do prazer eremita? Desiste. O ascetismo não é solu- ção, é derrota. Está fadado ao golpeio insolúvel de si e de toda sua descen- dência. Afinal, não se plantam florestas pelo caroço de uma fruta, como não se fazem filhos pelas mãos solitárias de um pai. E como abyssus abys- sum invocat 1 , o pobre coita- 1 "O abismo atrai o abismo" – Salmo 42-43, 8. Nota dos Editores. 13 Milton Moraes © 2017