Madame Eva Mme Eva quarto numero | Page 9
PASSARELA
Por Manoel de Souza
F
ui correndo, direto à passarela. Era
inevitável: repetir aquele caminho
persistentemente na semana fazia-
-me antecipar: seria possível que um dia,
ao quebrar a primeira esquina, encontras-
se, em pleno ritmo, uma banda de Gypsy
Jazz? Algo que virasse assunto intrigante
para dali a algumas horas? Nessas pas-
sarelas que evitam as pistas de oitenta, o
caminho seguro frequentemente parece
vazio e abandonado. É como se, liberada
a travessia das agressividades e violência
do trânsito, sobrasse pouco, quase nada.
vez, mencionei a necessidade de tomar
aquela passarela tão querida, ao que o tio
mencionou a estatística do mês: trecho
com maior número de assaltos por dia;
daí mencionaram o caso da Rosário, sem
celular, do Edmilson, sem carteira, e do
João, possivelmente sem mochila na pró-
xima caminhada. Certamente, é melhor
esperar a semana passar.
Apertei o passo. Como já era noite,
a luz dos túneis, mesmo fraca, destacava
aqueles rupestres. Questiona-se a valida-
de desses registros, o seu valor estético, o
Sigo caminhando. Na parede, há seu papel dentro da cidade; mas como ru-
algo novo: pintaram um retrato do ator pestres eles interpretam o que está fora,
político da novela da seman a. Pra quê? representam a violência e os monstros
Quem, com medo e passo acelerado, vai que enfrentamos, são polêmicos, quan-
parar e perceber a beleza daquele traço? do não ininteligíveis. Talvez seja que ne-
Quem, com medo, vai conseguir pensar nhum tenha surgido, de fato, para ser o
Política, que dirá Violência? É melhor es- bonito de ninguém. Talvez serão estes
perar a semana passar.
rupestres que, reproduzindo as sombras
de quem anda lá fora, aguçarão a imagi-
Conversando com um tio, certa nação de quem anda aqui dentro (nestas
passarelas), reproduzindo manchada, e
perfeitamente, a realidade que teima
em se mostrar retilínea.
Parei para olhar:
estouraram as lâmpa-
das do trecho final. É que,
no fim, não há luz, mas,
sim, escada. E involuntaria-
mente me toca a vontade
de encontrar a banda de
Gypsy Jazz, vontade que é o
rechaço a qualquer sintoma
de fracassos incontornáveis.
No entanto, é um desfecho
triunfante: pela escada,
chego modesto e igno-
rante, e subindo degraus
decanto toda beleza, su-
jeira e improviso das
passarelas.
Gabriel Avellar - RAR ARQUITETURA © 2017
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