S., // s // S.
O
s ponteiros tecem seus fios por
minutos, horas e dias ou meses
e não me recordo – agora sei
que há aqui uma neblina descida de
céus, ou subida de infernos, a cegar-me
a razão – por quanto tempo permane-
cemos eu e as pontas dos meus dedos
– e lábios, seios, pernas – a olharem, as-
sombrados, os ares de Vênus que evapo-
ram da tua pele, e foi aqui, em minhas
mãos, onde se depositaram meus olhos,
boca, nariz, orelhas e foi aqui também
que minha vagina aberta, exposta, en-
controu morada há tempo não tão lon-
go – foi tu quem transformou minha
anatomia, S.– e deitada em tua cama
vejo agora o contorno de tua íris e não
enxergo mais a felina arredia que antes
se me escapava às mãos em um bote-
co qualquer, hoje lhe tenho ao alcance
dos olhos e dedos e lábios e flutuo por
um tempo tão nosso que emerge deste
quarto dentre o cheiro forte dos nossos
sexos unidos, tua escuridão não é ple-
na, S., como imaginas tu, posso ainda
ver com a ponta dos dedos o contorno
dos teus seios pequenos e perfeitos e o
verão intenso que carregas nos cabelos,
além de poder sentir o aroma de noi-
te que levas em teus lábios por entre
gemidos tão táteis que parecem rever-
berar em meu sexo, fazendo surgir de
dentro dele um gozo pleno, somos tão
uma, S., posso sentir o frescor dos nos-
sos destinos entrelaçando-se em uma
paz tão serena que nós não pretendía-
mos e que, sem perceber a sua chega-
da, nos alojou as duas dentro dela, e eu
penso que sentes o calor que eu estou
sentindo, S.; // não conseguiu você ver
no escuro meu bem mais do que car-
rego em minha carne bela & apetitosa
mas o que não tenho são pontos finais
& como não os tenho possuo tampou-
co letras maiúsculas – minhas linhas
são passagens apenas sons soltos ore-
lhas jamais – há, vírgulas algumas no
entanto não existe lógica em como são
expostas por vezes tenho apenas vonta-
de de, parar e, respirar outrem preciso
então alimentar de afeto esse meu cor-
po que se cansa vez ou outra da luta in-
cessante contra a angústia & seus ten-
táculos envolventes & cujas ventosas
sugam o pouco que existe de líquido
nevoento dentro de mim – você não
percebeu que me amar é como perma-
necer imersa num limbo no qual não
há início ou fim & tudo é, meio meio
meio, não entende? não há tão mais
nada nas entrelinhas do que dizem
estas poucas palavras, estou traduzida
& já não há o que esperar de mim além
deste escuro momentâneo que nos
toca os corpos e os une através de um
elo lânguido como o sopro que você
deu em meio à tormenta; // Opaca ao
mirar ao largo os véus que protegiam
o escuro enquanto organizava esses
seus pensamentos recorrentes, porém
nunca sistematizados, nunca sequer
colocados, via-se incapaz de sentir os
dedos que a olhavam tão de perto e
lhe cheiravam a buceta e os lábios pro-
vando-lhe o gosto do prazer deles pró-
prios, ouvindo seus gemidos há muito
insinceros. Ainda na cama, olhou para
o lado, mirou dedos ainda sedentos
de sua carne, mirou olhos esperanço-
sos de lhe terem penetrado sua alma
– como poderiam saber, os inocentes
olhos, que apesar do esplendor que ela
carrega por fora, é carne morta o que
lhe apodrece por dentro?
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Por Leila Saads