Madame Eva Mme Eva quarto numero | Page 8

S., // s // S. O s ponteiros tecem seus fios por minutos, horas e dias ou meses e não me recordo – agora sei que há aqui uma neblina descida de céus, ou subida de infernos, a cegar-me a razão – por quanto tempo permane- cemos eu e as pontas dos meus dedos – e lábios, seios, pernas – a olharem, as- sombrados, os ares de Vênus que evapo- ram da tua pele, e foi aqui, em minhas mãos, onde se depositaram meus olhos, boca, nariz, orelhas e foi aqui também que minha vagina aberta, exposta, en- controu morada há tempo não tão lon- go – foi tu quem transformou minha anatomia, S.– e deitada em tua cama vejo agora o contorno de tua íris e não enxergo mais a felina arredia que antes se me escapava às mãos em um bote- co qualquer, hoje lhe tenho ao alcance dos olhos e dedos e lábios e flutuo por um tempo tão nosso que emerge deste quarto dentre o cheiro forte dos nossos sexos unidos, tua escuridão não é ple- na, S., como imaginas tu, posso ainda ver com a ponta dos dedos o contorno dos teus seios pequenos e perfeitos e o verão intenso que carregas nos cabelos, além de poder sentir o aroma de noi- te que levas em teus lábios por entre gemidos tão táteis que parecem rever- berar em meu sexo, fazendo surgir de dentro dele um gozo pleno, somos tão uma, S., posso sentir o frescor dos nos- sos destinos entrelaçando-se em uma paz tão serena que nós não pretendía- mos e que, sem perceber a sua chega- da, nos alojou as duas dentro dela, e eu penso que sentes o calor que eu estou sentindo, S.; //  não conseguiu você ver no escuro meu bem mais do que car- rego em minha carne bela & apetitosa mas o que não tenho são pontos finais & como não os tenho possuo tampou- co letras maiúsculas – minhas linhas são passagens apenas sons soltos ore- lhas jamais – há, vírgulas algumas no entanto não existe lógica em como são expostas por vezes tenho apenas vonta- de de, parar e, respirar outrem preciso então alimentar de afeto esse meu cor- po que se cansa vez ou outra da luta in- cessante contra a angústia & seus ten- táculos envolventes & cujas ventosas sugam o pouco que existe de líquido nevoento dentro de mim – você não percebeu que me amar é como perma- necer imersa num limbo no qual não há início ou fim & tudo é, meio meio meio, não entende? não há tão mais nada nas entrelinhas do que dizem estas poucas palavras, estou traduzida & já não há o que esperar de mim além deste escuro momentâneo que nos toca os corpos e os une através de um elo lânguido como o sopro que você deu em meio à tormenta; // Opaca ao mirar ao largo os véus que protegiam o escuro enquanto organizava esses seus pensamentos recorrentes, porém nunca sistematizados, nunca sequer colocados, via-se incapaz de sentir os dedos que a olhavam tão de perto e lhe cheiravam a buceta e os lábios pro- vando-lhe o gosto do prazer deles pró- prios, ouvindo seus gemidos há muito insinceros. Ainda na cama, olhou para o lado, mirou dedos ainda sedentos de sua carne, mirou olhos esperanço- sos de lhe terem penetrado sua alma –  como poderiam saber, os inocentes olhos, que apesar do esplendor que ela carrega por fora, é carne morta o que lhe apodrece por dentro? 6 Por Leila Saads