Madame Eva Mme Eva quarto numero | Page 6

A REVOLTA DO SOLUÇO Por Manuel Lima Dias Para o artista plástico Everardo Miranda “Bem-aventurados os que não sofrem metáforas” , quinquagésima primeira folha, Gonçalo de Barros Carvalho e Mello Mourão e Paulo Ramos Filho Rio de Janeiro, novembro de 1973 U m soluço súbito apoderou-se de Antônio. Tapou a boca e arrega- lou os olhos. Quem? O soluço ou Antônio? Não importa: coisa boa, não era. Ou um ou o outro teve seus ombros a pulsar. O soluço se multiplicou pelo corpo de Antônio, e Antônio se multipli- cou pelo efeito do soluço. Ou vice-versa e o contrário... Não sei, e não interessa. Um pouco como “o ovo ou a gali- nha?” essa história toda, não? Sim. Con- tudo, nisso está a pergunta que deve ser feita: quem queria controlar quem? O soluço ou o soluçante? ressa. Mas a resposta, também, não inte- Um descontrole do diafragma para Antônio, uma mania de ordem para Um olhou pro outro e quis firmar o soluço. Domam-se as revoluções, ou sua autoridade. as revoluções vêm para nos domar? An- A força de um soluço está no caos. tônio não tinha dúvida: tinham que ser Ninguém consegue contê-lo, espasmo domadas! Ele não podia abrir mão de após espasmo ele inflige a anarquia no sua condição de condutor consciente comando de quem julga detê-lo. daquilo tudo. Se hoje deixasse o solu- ço soluçar, as sublevações seguintes (...) não seriam solucionadas! Só ele sana- ria o saldo sombrio daquela subversão! Mas para Antônio, nada mais fá- cil de combater do que um rebelde sem causa. ** ** { – Baderneiro! – bradava –. Bader- neiro! – Prendia a respiração, como que para sufocar a revolta. Calma, rapaz, tudo pode ser detido. A anarquia só espera a voz grossa da hierarquia para se curvar: (...) ra: – Quem manda aqui sou eu! Cada qual sustentava sua bandei- – PELA ORDEM – conclamava Antônio. – POR UMA NOVA ORDEM – re- truncava o soluço. Mas quem mandava mais era o so- luço, que mandava mais soluços, e Antô- nio soluçava: uma, duas, três... (...) – Passou... QUATRO! QUATRO VEZES! 4