Levante: A vida pós-cárcere de mulheres no Paraná Levante_Livro | Page 53
Conta sem falsa modéstia ser o braço direito do chefe, que sabe
de seu passado e apoia seu recomeço. O trabalho lhe dá três grandes
satisfações: ver o dinheiro na conta no final do mês, receber elogios
do chefe por seu desempenho e ver que o pessoal, leia-se quem passa
pelas portarias e recepções nas quais trabalha, gosta de seu serviço.
— Isso pra mim é o que tá valendo.
O chefe é o único que sabe que ela já foi presidiária, mas, na
empresa, que tem convênio com o Depen, não é a única. Lá também
trabalham mulheres ainda de tornozeleira, que sofrem com o
preconceito dos outros colegas de função. Não foi uma nem duas
vezes que ela ouviu comentários negativos sobre as meninas. De vez
em quando, xingamentos, em outros momentos, preocupações com
o que poderiam pensar o público dos locais atendidos pela companhia.
Se o comentário acontece perto dela, que se dá bem com todos,
não fica sem resposta: “todo mundo merece uma segunda chance”.
O que ela não pode verbalizar é o que passa em sua cabeça dia após
dia de trabalho.
— Se eles soubessem que eu também sou ex-presidiária, mudariam
o tratamento comigo?
***
Renata recebe frequentemente recados das amigas que ainda
se encontram presas na PFP. Elas falam sobre as condições de tratamento,
que se deterioram dia a dia na penitenciária, mas em geral
ligam para atualizá-la sobre o estado da irmã, Eliane. Geralmente, o
foco dos relatos são as brigas em que Eliane se envolveu, quais guardas
agrediu e se tem tido convulsões, para as quais toma medicamentos
contínuos. Devido a um desentendimento que tiveram por
telefone, as duas não se falam mais e ela parou de visitar a irmã. Ainda
assim, contribui com os produtos da sacola que dona Cissa leva à
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