Levante: A vida pós-cárcere de mulheres no Paraná Levante_Livro | Page 38

No sistema carcerário, as sacolas significam mais do que o gostinho da comida de casa ou o cuidado da família. É senso comum entre as internas que, na cadeia, “você vale o que você tem”. Desde nossa primeira conversa, não foi apenas uma vez que ela me disse que o sofrimento alheio a incomoda muito. Nesse aspecto, a experiência no cárcere lhe foi especialmente excruciante. O descaso do Estado, as situações de injustiça e violência que presenciou nos anos de detenta lhe fizeram valorizar mais a vida fora dos muros, cada pão velho, bolacha murcha, gota de água do banho que escorre pelo corpo e instante de liberdade. Mas ela não diz que a prisão foi de todo má. Considera que talvez, sem ter cumprido pena, não seria quem é hoje em dia. O mesmo é dito, afinal, por muitas pessoas a respeito de experiências diversas de suas vidas, principalmente aquelas que não deixam gosto apenas doce na boca. Renata destaca a oportunidade que teve para conhecer a si mesma. Na reclusão de sua cela percebeu manchas, sinais e cicatrizes que nunca havia notado, e aprendeu a olhar mais para si mesma. Ao longo dos sete anos que passou encarcerada, além do companheiro Galego, outros seis familiares faleceram. Ela não pode comparecer ao velório de nenhum. — Se sua família estiver com fome, sem luz, sem água, no hospital ou morta, o que é que você pode fazer? Só sofrer e chorar. Se preocupar apenas consigo, não com os problemas familiares e contas atrasadas durante o cumprimento da primeira pena, trouxe efeitos inesperados. Roedora compulsiva de unhas, ao cabo de alguns meses se deu conta de que as unhas estavam crescidas como nunca antes. — Não me conheço totalmente ainda, mas também não quero voltar para lá para terminar. 38 | LEVANTE