Jornal do Clube de Engenharia 611 (Fevereiro de 2020) | Page 7

fevereiro DE 2020 CEDAE colocando esgoto na Barra da Tijuca e não na bacia que abastece 9 a 10,5 milhões de pessoas? Nenhum presidente da Cedae tinha poder pra decidir isso. A questão é muito maior”, aponta Stelberto. “Não há solução que não passe pelo debate político. Teremos uma eleição para prefeito. Discute-se qual cidade queremos. Queremos uma cidade democrática, transparente, que possa decidir as suas prioridades”, conclui o conselheiro. Solução emergencial O problema que se arrasta há 30 anos e que, apesar das muitas tentativas, não foi solucionado, agora precisa de uma resolução imediata, emergencial. A proposta do Clube de Engenharia para a questão é do sanitarista Flávio Coutinho, engenheiro aposentado da Cedae. Não é uma proposta nova, uma vez que foi apresentada meia década atrás à direção da Cedae, sem que nada fosse feito a respeito. A ideia é desviar todo o esgoto que chega diariamente à estação de tratamento, de forma que ele seja despejado no rio Guandu, mas após a captação da água para consumo. “O esgoto será jogado na Baía de Sepetiba, sem dúvida nenhuma. Mas essa é uma solução pontual que pode devolver à água às suas características ideais: inodora, incolor e insípida”, defende o presidente do Clube. O projeto de Flávio Coutinho tem como ponto central a transposição da água que chega à lagoa menor, ao lado do local onde há a captação pela Cedae. É essa lagoa que recebe toda a carga de esgoto de rios que nela desaguam, poluindo a água do Guandu exatamente onde ela de- veria ser limpa. Para isso, Coutinho defende o fechamento do canal que liga a lagoa ao rio e a construção de um sifão – um cano de grandes pro- porções acima do nível da água – que Stock Photo jogaria a água poluída para depois da captação. O material orgânico seria levado pela correnteza rio abaixo e diluído no processo. “A solução oficial estudada também pretende fazer a transposição da água da lagoa, mas por uma tubula- ção enterrada. É mais caro e muito mais complexo. A lâmina d’água tem sete metros e meio. A tubu- lação ficaria três metros abaixo do solo. Ou seja, seria uma obra com 10 metros de profundidade que exigiria a construção de um dique seco. Isso sem contar com problemas como entupimentos e limpeza do gradeamento”, defende Coutinho. O engenheiro vai além e destaca que mesmo após o recolhimento do esgoto que cai na lagoa, os sifões ainda serão úteis. “Quando o esgoto for colocado nos municípios que poluem o rio, o sifão não deixará de funcionar. Se uma estação de tratamento apresentar problemas e for desligada, ele assegurará que não viveremos outra crise. Mais que isso, sabemos que estações tratam apenas 90% do esgoto. Teríamos com essa solução uma saída inteligente para os 10% restantes”, finaliza. Privatização em debate O governo do Estado segue afirman- do que apenas vendendo a Cedae será possível levantar os recursos necessários para a solução da crise hídrica no Estado. O governador Wilson Witzel afirmou, em 18 de fevereiro, que a ideia é ir além do lei- lão das áreas de distribuição de água e de coleta e tratamento de esgoto. O governo pretende vender a parte da companhia que não será leiloada - responsável pelas etapas de capta- ção e tratamento de água - em uma operação de vendas de ações na Bolsa de Valores em 2021. A posição do Clube de Engenharia é pela defesa da empresa pública e, no caso da Cedae, contra a privatização, O Clube de Engenharia defende a empresa pública. No caso da Cedae é contra a privatização, mas com críticas a graves erros de gestão. destaca Pedro Celestino: “A concessão de serviços de utilidade pública à ini- ciativa privada não é necessariamente ruim, desde que a tarifa seja fixada pelo custo e que se possa estabelecer subsídios cruzados para que a popula- ção, independentemente do seu nível de renda, tenha acesso a esse benefício. A concessão deve ser feita apenas a empresas brasileiras de capital nacio- nal. São serviços que só geram receitas em reais e se forem adquiridos por empresas estrangeiras causarão déficit estrutural no balanço de pagamentos. No caso da Cedae, somos contra a privatização. Essa é a posição do Clu- be”, defende Celestino. O presidente destaca, ainda, que o apoio à Cedae empresa pública não significa que não há críticas a serem feitas. “Somos contra a privatização, mas denunciamos os erros de gestão que fizeram com que a corporação da Cedae se apropriasse, por falta de controle político, de boa parte dos resultados. Os salários são escanda- losos. Há salários de mais de R$ 60 mil e isso precisa ser denunciado”, destaca Celestino. Para Stelberto Soares, o caso da Foz Águas é exemplo de que mesmo que a venda seja feita para empresas brasi- leiras, a privatização não tem como garantir que o capital fique no Brasil após a venda. “A Foz Águas era nacio- nal quando venceu a concessão. Com a crise foi vendida para a Brookfield, que agora envia para o Canadá os lucros gerados em 22 bairros da zona oeste do Rio de Janeiro, de Deodoro a Santa Cruz”, critica Stelberto. “Em- presa privada não vai investir onde não há lucro. São 1 milhão e 500 mil pessoas em favelas no Rio de Janeiro. São 800 mil pessoas em loteamentos clandestinos irregulares. Essa é a nossa realidade”, conclui. Fica claro que a questão não é consenso entre os especialistas. Em defesa da privatização, Flávio Couti- nho cita exemplos como o do Chile. “Mesmo com todos os seus proble- mas, em 20 anos o Chile colocou água e esgoto para a maior parte da população, com uma tarifa menor que a nossa! Vamos copiar as boas ideias e uma delas é essa”, afirma. Segundo Pedro Celestino, a deci- são pela privatização é puramente política. “A questão da privatização da Cedae deve ser encaminhada de forma objetiva, não da forma apres- sada como está sendo proposta, para resolver problema de caixa do go- verno ou para satisfazer a interesses internacionais que têm como objetivo pegar o filé e deixar o osso nas mãos do Estado”, destaca o presidente do Clube de Engenharia. A crise hídrica no Rio de Janeiro foi assunto do primeiro programa do Construção Nacional, o Podcast do Clube de Engenharia. Para escutar o debate que contou com Pedro Celestino, Stelberto Soares e Flávio Coutinho, acesse http://bit.ly/ construcaonacional. 7