Jornal do Clube de Engenharia 611 (Fevereiro de 2020) | Página 6
CEDAE
A face exposta da gestão de uma empresa
impedida de tomar decisões técnicas
O Rio de Janeiro é a cidade do Brasil
mais conhecida no mundo. É um
dos principais destinos turísticos e a
segunda em número de habitantes em
território nacional. Não obstante, o
Rio vive no início de 2020 situação
impensável: a população não tem
confiança em consumir a água distri-
buída, graças à presença de geosmina,
substância gerada por algas.
Esses organismos são alimentados
por 10 milhões de litros de esgoto in
natura lançados diariamente no rio
Guandu, segundo o Comitê da Ba-
cia do Guandu, com informações de
2/3 das cidades da região. Em entre-
vista coletiva concedida na manhã
do dia 05 de fevereiro, técnicos da
Cedae explicaram que o tratamento
da água segue com 11 toneladas de
carvão ativado por dia, coagulantes
para tornar a sujeira mais grossa e,
por fim, são usados filtros de areia
antes de receber 16 toneladas de
cloro. Ainda assim, a água segue
imprópria para o consumo.
Um trabalho que poderia ser evitado
com o tratamento do esgoto despe-
jado diretamente no Guandu pelas
cidades da Baixada Fluminense. Os
caminhos para isso, embora existam,
não vêm sendo seguidos. Nos dez
municípios da bacia do rio, 56% das
estações de tratamento de esgoto
estão desligadas ou com problemas,
somando um total de 44 estações
que precisam de reparos. O proble-
ma é antigo, amplamente conhecido
entre técnicos do setor, mas seguiu
negligenciado até o inevitável im-
pacto no fornecimento.
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A marca do desperdício
Nos últimos 30 anos, segundo o
presidente do Clube de Engenha-
ria, Pedro Celestino, não faltaram
maciços investimentos na área, com
resultados nada animadores. “Em
três décadas houve investimento de
um bilhão e 600 milhões de dólares
em recursos externos, federais, esta-
duais e municipais consubstancia-
dos no Favela Bairro, Programa de
Despoluição da Baía de Guanabara
(PDBG), Programa de Saneamen-
to para População de Baixa Renda
(Prosanear), Nova Baixada e Bai-
xada Viva. Cada governo estadual
ou municipal tem algum programa
de saneamento para apresentar à
população. É um desperdício de
recursos públicos inacreditável.
Investiu-se em dezenas de estações
de tratamento de esgoto comunitá-
rias, condominiais e elevatórias em
diferentes favelas do Rio de Janeiro
e em núcleos comunitários da Bai-
xada Fluminense. A maioria delas
não funciona porque a Cedae não as
recebe. A empresa se dedica à água
e não liga para o esgoto”, aponta o
presidente.
A situação calamitosa do rio Guan-
du não é novidade para especialistas
e Poder Público. Desde 2009 existe
um projeto para desviar o esgoto
que vem da Baixada Fluminense, e
que atualmente entra na Bacia do
Rio Guandu e abastece a Estação de
Tratamento de mesmo nome. Se a
obra fosse realizada, o material or-
gânico que leva à multiplicação das
algas não seria captado pela estação
de tratamento.
Só no ano passado, o lucro da Cedae
chegou a 800 milhões de reais, valor
suficiente para custear as obras que
melhorariam a qualidade da água
fornecida para a população.
Outra fonte de recursos em discus-
são é o Fundo Estadual de Conser-
vação Ambiental e Desenvolvimento
Urbano (Fecam), que recebe 5% dos
royalties do petróleo para financiar,
entre outros, projetos de esgota-
mento sanitário. No ano passado, os
recursos do Fecam chegaram a 552
milhões de reais, mas reportagem do
jornal O Globo mostrou que apenas
15% desse valor foi de fato aplicado.
Há, ainda, o Fundo Estadual de
Recursos Hídricos (FUNDRHI),
abastecido por taxas pagas por em-
presas que captam água em rios, e
que chegou a 69 milhões de reais em
2019, dos quais - informa o Por-
tal da Transparência - 56 milhões
foram gastos.
Divulgação/MPRJ
Forte pressão política
A Cedae foi considerada por déca-
das uma empresa competente, com
um serviço de qualidade prestado à
população. É consenso, no entanto,
que a crise vivida hoje é resultado de
problemas de gestão que atravessa-
ram diversas administrações, graças a
uma constante pressão política sobre
a área técnica da empresa.
Segundo Stelberto Soares, enge-
nheiro sanitarista e conselheiro do
Clube de Engenharia, a Cedae foi,
diversas vezes, usada como moeda
de troca política e isso impediu que
os problemas fossem de fato resolvi-
dos. “Soluções técnicas existem, mas
quem decide o que será realizado não
são os técnicos. A questão é política.
Por que, mesmo sabendo que a crise
se aproximava, gastou-se dinheiro
O Ministério Público do Estado do
Rio de Janeiro (MPRJ), Fiocruz,
Inea, UERJ e Vigilância Sanitária
realizaram vistoria no Guandu.