Jornal do Clube de Engenharia 611 (Fevereiro de 2020) | Page 5

fevereiro DE 2020 ECONOMIA Obras de engenharia Apesar de a auditoria se concentrar em operações específicas, por vezes a narrativa da “caixa-preta” envolveu, também, contratos com empre- sas nacionais de engenharia. Para Andrade, é preciso entender o apoio do BNDES à exportação de bens e serviços de engenharia e construção destinados a obras no exterior. Ele cita uma série de critérios técnicos para justificar essas operações con- tidos no “Livro verde: nossa história tal como ela é / BNDES – Parte 2”, publicado em 2017 pelo banco. Na publicação explica-se que, no caso de obras de engenharia, “o ambiente de competição externo é agressivo e a realização de vendas externas sem a correspondente oferta de financia- mento para o importador é inviável, principalmente em setores de maior conteúdo tecnológico e/ou que preci- sam de grandes volumes de recursos e maior prazo de pagamento”. Andrade explica que as críticas aos financiamentos de engenharia foram alimentadas pela suposta existência de um componente “ideológico” nas escolhas do BNDES na última déca- da. “Mas as linhas de financiamento à exportação do BNDES foram aper- feiçoadas desde sua criação há mais de 25 anos e devem ser destacadas pelo aprendizado realizado internamente por seus empregados e pela articulação com as instituições públicas envolvi- das, incluindo a legislação que foi ela- borada ao longo desse tempo”, explica ele. “Os principais países exportadores de bens e serviços de engenharia foram, em 2015, China, Espanha e EUA. O Brasil ocupou nesse ano a décima posição. Entre as 250 maiores construtoras internacionais apenas quatro são brasileiras, exatamente as que receberam financiamento do BNDES”, detalhou. O “Livro Verde” ainda explica que o mercado de engenharia é estratégico por “movimentar uma longa cadeia de fornecedores de bens e serviços, ser empregador de mão de obra de alta especialização e importante gerador de renda”. Assim, “grandes projetos de engenharia envolvem ele- vada complexidade [...] que se reflete na importância do conhecimento e da experiência acumulada nas campa- nhas bem-sucedidas por contratos no mercado internacional”. Catalisador do desenvolvimento em risco Segundo José Eduardo Pessoa de Andrade, entre 2007 e 2015, último ano com dados disponíveis de forma organizada, o BNDES movimentou uma rede de 4.044 fornecedores. “Desses, 2.785 eram micro, pequenas e médias empresas (MPMEs). O número total de empregados desses fornecedores aumentou de 402 mil em 2007 para 788 mil em 2014. Fo- ram empregadas, em média, 590 mil pessoas por ano”, explica ele. Essa articulação, no entanto, tem sido colocada em jogo. Além da fragilização simbólica trazida com a narrativa sobre a “caixa-preta”, des- de pelo menos 2017 o BNDES tem sido alvo de políticas que fragilizam sua atuação enquanto catalisador do desenvolvimento nacional. Uma delas foi, naquele ano, a alteração na Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que aproximou os juros do banco do praticado no mercado privado. “A relação entre a mudança da TJLP e outras alterações que vêm sendo feitas nas políticas do banco tem por base uma compreensão e uma proposta completamente diferente para o papel do BNDES no desen- volvimento brasileiro com o início do governo Temer”, critica Andrade, que continua: “O BNDES passou a ser considerado uma instituição do governo e não do Estado brasileiro. Tínhamos até então o predomínio de uma visão desenvolvimentis- ta mesmo com a incorporação de algumas mudanças durante os governos do FHC. [...] A partir do início do período Temer foi com- pletamente diferente. O grupo que passou a controlar o BNDES tinha visão oposta ao seu papel histórico. Foi de fato o comando de uma visão liberal em oposição a visão desen- volvimentista”. Com a ascensão da visão liberal, o papel do Estado e do setor público como um todo passou a ser diminu- ído ao máximo possível. “Com essa visão tentaram fazer modificações substantivas no BNDES, a começar pela substituição da TJLP. No perí- odo do BNDES sob o comando do Paulo Rabello de Castro, e a seguir do Dyogo Oliveira, foi tentada uma ate- nuação dessa visão extrema do papel do mercado que não correspondia à realidade do que seria possível fazer sem a atuação adequada do papel do Estado e do BNDES. Na presidência de Bolsonaro retornou com força a visão liberal extrema que está de fato diminuindo ao máximo possível a presença do Estado e do BNDES na economia. Acresce a isso uma visão de subordinação das políticas do país às orientações dos interesses da principal potência mundial, o que significa abrir mão de nossa soberania e de enfra- quecer a consolidação de nossa ainda frágil democracia”, completa Andrade. “Não há dúvida de que a constatação da não existência de irregularidades no BNDES, segundo o relatório da empresa contratada, é uma ducha de água fria nos promotores das ‘fake news’ da ‘caixa-preta’ e um alento para os que defendem a importância da contribuição do BNDES para o desenvolvimento de nosso país”, avalia o diretor técnico do Clube de Engenharia. “Porém, se essa batalha foi ganha, ainda existem muitas outras em nossa caminhada. [...] Precisamos de uma compreensão política e econô- mica adequadas para que tenhamos sucesso nessa empreitada. A relação mercado e Estado tem que ser enten- dida com inteligência, articulando-a a favor do desenvolvimento inclusivo em nosso país. O tempo e iniciativas corretas poderão favorecer o escla- recimento da verdade e o fortaleci- mento de um projeto adequado para nossa sociedade”, finalizou Andrade. 5