Jornal do Clube de Engenharia 599 (Fevereiro de 2019) | Page 4
POLÍTICAS PÚBLICAS
Código de Obras do Rio divide opiniões
Legislação municipal simplifica
obrigações, mas especialistas apontam
problemas estruturais
A Prefeitura do Rio de Janeiro sancionou, no dia
14 de janeiro, o novo Código de Obras e Edifi-
cações Simplificado (COES) para a cidade, agora
Lei Complementar nº 198/2019. Trata-se de uma
atualização e, principalmente, uma simplificação
das regras de licenciamento para construção de
imóveis na cidade. O código anterior, elaborado na
década de 1970, contava com 572 artigos, contra
41 na nova lei.
O então Projeto de Lei Complementar nº 43,
enviado pela Prefeitura à Câmara de Vereado-
res em 2017, tinha como principal justificativa a
necessidade de um “desenvolvimento imobiliário
mais flexível, mais rápido, menos burocrático e
mais adaptado aos usos e costumes dos cidadãos
do nosso tempo e do futuro”. Mas a modernização
realizada, embora defendida por muitos, também
levanta questões preocupantes. Entre elas as dúvi-
das sobre a qualidade dos novos empreendimentos,
o aumento da responsabilidade de engenheiros e
arquitetos e a necessidade da atualização de outras
leis relacionadas.
O arquiteto e urbanista Washington Fajardo, ex
-presidente do Conselho Municipal do Patrimônio
Cultural do Rio de Janeiro e membro do Conselho
de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro
(CAU/RJ), entende que o novo Código de Obras,
demanda antiga, é bem-vindo “apesar do grande
atraso”. Pleiteando há algum tempo uma legislação
“mais simples e que pudesse ser instrumento de
política pública”, questiona a legislação aprovada. “O
novo Código de Obras é bom para o mercado imo-
biliário, como implementador da forma da cidade
que o Estado planeja. A versão anterior era buro-
crática e anacrônica, e a flexibilidade traz benefícios,
reduzindo tempos e custos, ampliando oportunida-
des, mas garantirá melhor cidade? Esta é a pergunta
de quem mora longe e mal, desejando viver dentro
da cidade. Ou que pelo menos o urbanismo chegue
até ela. A resposta é não”, afirma Fjardo.
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E defende: “Enquanto não integrarmos os instru-
mentos urbanísticos não conseguiremos realizar
políticas de habitação social mais avançadas, mais
baseadas em localização do que na propriedade
privada. Não conseguiremos responder às jovens
famílias ou à juventude no seu desejo por qualida-
de ambiental. Se eles gostam de apartamentos pe-
quenos, não conseguirão comprar ou alugar, pois o
preço é definido pelo bairro. E não temos nada que
estimule produtos imobiliários mais baratos. Não
adensaremos o Centro e a Zona Norte, previsão do
Plano Diretor, onde estão as estruturas históricas
de mobilidade e de serviços públicos. Não criare-
mos uma cidade menos segregada. O Rio necessita
de um planejamento urbano que funcione. Aprovar
esse código é bom, mas é só um espasmo”, conclui
em artigo publicado no jornal O Globo, no dia
seguinte à aprovação do novo código.
Já o engenheiro civil Sergio Niskier, conselheiro
do Clube de Engenharia, discorda da maioria das
críticas e sai em defesa da engenharia pública.
“De maneira geral os engenheiros e arquitetos da
prefeitura e do estado são profissionais que têm
conhecimento sobre desenvolvimento urbano. Foi
uma mudança estudada! Tenho muita confiança na
engenharia e na arquitetura públicas. São profissio-
nais que merecem nosso respeito. Além disso, foi
uma legislação submetida à discussão na Câmara
dos Vereadores, onde a sociedade também pôde
opinar”.
Outros benefícios são destacados por Lucas
Faulhaber, coordenador da Comissão de Políticas
Urbanas do CAU/RJ, no que se refere à contribui-
ção para que contradições legais sejam evitadas.
“A legislação urbanística do Rio de Janeiro é uma
sobreposição de diversos dispositivos que por mui-
tas vezes se contradizem ou inviabilizam soluções
plenamente possíveis do ponto de vista arquitetô-
nico”, diz ele. Opinião semelhante tem Pedro da
Luz Moreira, presidente do Instituto dos Arqui-
tetos do Brasil no Rio de Janeiro (IAB-RJ): “O
antigo Código de Obras tinha se tornado ilegível
e complexo. Nós vemos a redução dos artigos de
forma positiva, porque aumenta a própria transpa-
rência da legislação”, afirma.
No entanto, grande foi a reação em relação àquela
que foi considerada a principal mudança: a redução
da área mínima útil nos edifícios, que variava de
acordo com a região da cidade, de 28 m² (locais do
Centro e Zona Norte) até 60 m² (Zona Sul). No
novo Código passa a ser 25 m² em prédios multi-
familiares, já excluídas varandas e terraços desco-
bertos. Na Zona Sul e Grande Tijuca, no entanto,
a média das unidades deve ser de 35 m². Os bairros
da Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes, Ilha
do Governador e Vargens também estão fora da
obrigação, permanecendo o que já estava em vigor.
Aí o debate é acirrado.
Para Lucas Faulhaber (CAU/RJ), trata-se de um
ponto do novo código que deve ser visto com
cautela. “Em nome dessa simplificação a prefeitu-
ra foi permissiva demais em alguns aspectos que
reduzem a qualidade da habitação e do ambiente
urbano”, diz. “A redução do tamanho dos apar-
tamentos para praticamente todo o município,
sem considerar as especificidades e condições
de infraestrutura das localidades, é incompatível
com a ideia de cidade compacta que se pretendia”,
aponta Faulhaber. Pedro da Luz Moreira (IAB/
RJ), ao contrário, vê a redução como positiva.
“Não significa redução da qualidade. Trata-se de
uma tendência no mundo. Hoje, no Brasil, vivem
cerca de 2,9 pessoas por domicílio, sendo que nos
próximos 20 anos a perspectiva é que a taxa caia
para 2 pessoas. As famílias diminuíram de tama-
nho e teremos no futuro demanda por unidades
menores”, afirma.
Sérgio Niskier, vendo a modificação sob um ângulo
semelhante, avalia a mudança como uma forma de
permitir que um mesmo prédio ofereça unidades
de tamanhos diferentes. E esclarece: “É até obri-
gatório que isso aconteça porque impõe a possibi-
lidade de maior integração entre toda a população.
Serão apartamentos de preços distintos e isso é
bastante saudável para a vida de uma cidade. Uma
unidade de 30 e poucos metros quadrados é uma
unidade pequena, mas perfeitamente possível de
ser usada com decência. O ruim é você não ter
alternativa nenhuma e a cidade ficar submetida à
favelização”.