Jornal do Clube de Engenharia 598 (Janeiro de 2019) | Page 3
JANEIRO DE 2019
TELECOMUNICAÇÕES
Cai por terra o protagonismo da Telebras na
construção do cabo submarino entre Brasil e Europa
O plano da construção de um cabo
de fibra ótica submarino comuni-
cando América Latina e Europa,
levando dados de Internet e te-
lefonia sem passar pelos Estados
Unidos, começa a sair do papel, mas
agora com reduzida participação
brasileira. O projeto, de 2013, tinha
o protagonismo, nos primeiros es-
tudos, da Telebras, em parceria com
a espanhola Ellalink. Até metade
de 2018, a expectativa para o cabo
era de que fosse financiado 35%
pela Telebras e 65% pela Ellalink.
Sua capacidade seria de 72 Tera-
bytes por segundo, um valor quase
quatro mil vezes maior do que o
único cabo submarino entre Brasil
e Europa: o Atlantis 2, com capaci-
dade de cerca de 20 Gigabytes por
segundo, já saturado por chamadas
telefônicas entre os dois continen-
tes. Alegando falta de recursos para
o aporte de capital, a Telebras subs-
tituiu o investimento por garantias
de utilização do cabo. Muda com
isso o rumo da história, já que o
interesse do Brasil pelo cabo sub-
marino vai muito além do aumento
da capacidade de tráfego de dados.
Cabos de fibra ótica são funda-
mentais para sustentar o funciona-
mento da Internet em todo o mun-
do. Embora no dia a dia muito se
utilize a internet sem fio, a estru-
tura física é primordial e antecede
a transmissão wireless. Já existem
aproximadamente 300 cabos sub-
marinos, cujos trajetos remontam
às antigas redes telegráficas do sé-
culo XIX. Eles permitem o tráfego
pesado de cerca de 99% de todas as
comunicações transoceânicas: além
de dados de Internet, ligações tele-
fônicas e mensagens de texto.
Mapa de Cabos Submarinos pelo mundo atualizado em janeiro de 2019. Fonte: Submarine Cable Map
Mas a expectativa do Brasil passa
especialmente pela autonomia e
privacidade em relação aos Estados
Unidos. Atualmente, todas as co-
municações entre Brasil e Europa
passam antes por cabos america-
nos, o que se tornou cada vez mais
preocupante com as revelações de
espionagem e vigilância do governo
norte-americano noticiadas desde
2013. O próprio governo brasileiro
chegou a ser espionado, conforme
revelado por Edward Snowden, ex-
-administrador de sistemas da CIA
e da Agência de Segurança Nacional
dos EUA (NSA).
O Ellalink é construído pelas em-
presas Ellalink e Alcatel Submarine
Networks. As primeiras etapas do
trabalho passam pelo mapeamento
do fundo do mar e construção das
infraestruturas terrestres. Os pon-
tos de saída do cabo, no Brasil, são
Fortaleza (CE) e Santos (SP). Com
destino à Europa, tem ancoragens
nas ilhas de Madeira e Cabo Verde,
no litoral africano, chegando até
Sines, em Portugal. O compromisso
com a construção do cabo se deu em
agosto de 2018, quando um grupo
de 11 redes de investigação e edu-
cação europeias e latino-americanas
assinou acordo referente ao projeto.
Sua capacidade será de 100 Gbps,
cinco vezes mais do que o Atlantis
2, atualmente em funcionamento. A
previsão de conclusão do Ellalink é
de final de 2020, tendo percorrido
cerca de 9,4 mil quilômetros no
Oceano Atlântico. Acredita-se que
sustentará a evolução tecnológica
dos próximos 25 anos.
O projeto do Ellalink, agora, tem
orçamento de 53 milhões de euros,
dos quais a Comissão Europeia arca
com 26,5 milhões e o restante será
assegurado por outros membros do
Consórcio, países da América La-
tina e Europa beneficiados: Brasil,
Chile, Colômbia, Equador, França,
Alemanha, Itália, Espanha e Portu-
gal. O início do empreendimento foi
oficializado, e comemorado, em 09
de janeiro em declaração conjunta
de membros da Comissão Europeia:
Carlos Moedas, da área de Investi-
gação, Ciência e Inovação; Neven
Mimima, de Cooperação Interna-
cional e Desenvolvimento; e Elzbie-
ta Bienkowska, de Mercado Interno,
Indústria, Empreendedorismo e
PME, que manifestaram satisfação
com a realização do projeto. “A
América Latina e a Europa nunca
estiveram tão bem conectadas. A
nova estrada de dados digitais vai
apoiar a inovação com vista a me-
lhores serviços de observação da
Terra, será mais um passo na criação
de uma área de investigação comum
União Europeia-América Latina, e
vai ajudar a colmatar o fosso digital
entre América Latina e a Europa e
dentro da região, com potencial para
uma colaboração ainda maior nos
anos que se seguem”.
Com a saída da Telebras da constru-
ção do projeto, não se sabe o quanto
o Brasil controla o fluxo de dados
e o quanto fica exposto. “Nós per-
demos a soberania na instalação do
cabo e toda a capacidade de influir
nas decisões que eventualmente se
tenha para fazer esse cabo um efeti-
vo transporte de comunicação para a
Europa. É lamentável”, afirma Már-
cio Patusco, conselheiro do Clube de
Engenharia. O engenheiro enfatiza
a importância de haver controle do
uso do cabo pelos países envolvidos.
“Em telecomunicações, as buscas de
sigilo e de contingenciamento da
informação são tarefas incessantes
a que engenheiros e analistas se de-
bruçam. A primeira, para garantir a
integridade e privacidade do conte-
údo transmitido, e a segunda para
estabelecer diferentes caminhos que
possam ser utilizados na eventuali-
dade de interrupção de um deles”,
conclui Patusco.
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