Jornal do Clube de Engenharia 596 (Novembro de 2018) | Page 5
NOVEMBRO DE 2018
Política econômica e desenvolvimento nos EUA
Os Estados Unidos da América elegeram em
2016 um controverso presidente, caracterizando
um fenômeno que diz muito sobre o próprio país
e sobre a sua história. Para falar sobre o assunto,
o Clube de Engenharia recebeu, em 26 de ou-
tubro, o professor Nicholas Miller Trebat, para
a palestra “Política econômica e populismo no
desenvolvimento econômico estadunidense: uma
perspectiva histórica”.
Embora seja famosa por seus traços democrá-
ticos, a Constituição americana original não
era nada cidadã, mas um documento limitado:
permitiu que os EUA tivessem Exército, Mari-
nha e moeda nacionais e proibiu os Estados de
fazerem as políticas populistas que aconteciam
até então. “A Constituição americana é famosa
por artigos como o de direito de livre expressão,
de reunir pessoas em espaço público para discutir
política etc., mas isso não existia na Constituição
original. No texto original a única menção sobre
reuniões populares dizia que o Exército podia
interferir se elas ameaçassem a ordem. Os avan-
ços vieram como emendas décadas depois, mas já
estavam prometidas antes: alguns estados só as-
sinaram a Constituição porque havia a promessa
de, em um momento posterior, incluir esses di-
reitos”, conta o professor.
Sem representação trabalhista
Na história dos EUA, diferente da Europa, jamais
houve um partido de fato trabalhista. Apesar de
ter o mesmo nome, os partidos Republicano e
Democrata foram mudando ao longo do tempo.
No século XIX, o Partido Republicano era o par-
tido dos interesses industriais americanos. Eram
protecionistas e usavam o governo federal para
projetos de infraestrutura interna. Os Democratas
representavam os interesses agrícolas, a elite es-
cravocrata e o contato com os ingleses, sem muito
interesse na integração nacional. “Nenhum desses
partidos pode ser considerado um partido que
defende interesses populares. Ambos represen-
tavam diferentes setores empresariais”, explica o
professor Miller Trebat.
Apenas na década de 1890 surge o único par-
tido que se aproximou do que seria um partido
trabalhista nos EUA . Ele defendia a volta do
papel-moeda para que empréstimos fossem ofere-
cidos em um esforço para acabar com a repressão.
O People’s Party, embora tenha nascido à esquerda,
tinha características curiosas como um forte ranço
migratório. “Políticas pró-povo eram misturadas
a um discurso racista. Por isso, o Partido Demo-
crata, que tinha contatos estreitos com a Ku Klux
Klan, era um dos mais próximos do Partido do
Povo. O partido era basicamente de esquerda,
mas tinha muito do que hoje é de direita. Por um
lado, defendia a previdência social, a jornada de
oito horas, salário mínimo, mas, por outro lado,
tinha uma forte questão racista”, conta o professor.
Mais tarde, o People’s Party foi incorporado ao
Democrata, que diluiu sua força e se desintegrou
no partido.
O fenômeno Donald Trump
Em determinado momento, o Partido Democrata
se aproxima do populismo de esquerda e se
desvincula da elite sulista, que trazia o peso
do racismo e da xenofobia. Franklin Delano
Roosevelt, membro do Partido Democrata que
serviu como o 32º presidente dos Estados Unidos,
de 1933 até sua morte em 1945, se torna uma
espécie de Vargas americano, e o partido passa a
defender os interesses que hoje são entendidos
como bandeiras da esquerda. “Nos anos 60, os
democratas largam o discurso segregacionista
e os republicanos incorporam essas bandeiras.
Já nos anos 70, ambos os partidos começam
a se distanciar dos discursos trabalhistas e se
aproximar das políticas neoliberais. Trump é
herdeiro dessas transições e é um populista de
direita legítimo, superando Ronald Reagan, que
tinha um discurso favorável ao investimento
americano no exterior, por exemplo”, conta Trebat.
O populismo que leva à eleição de Trump em
2016 começa nos anos 1990, dentro do Partido
Republicano, com um discurso parecido, apelando
DEBATES
Miller Trebat: a economia americana sob uma perspectiva histórica
à classe média branca americana, veladamente
racista e amplamente antimigratória. O voto
evangélico, focando em questões culturais para se
opor aos Democratas, também se faz importante
nesse momento. Trump foi o primeiro a assumir
essas bandeiras de forma bem sucedida, com
um forte apelo por representar o Partido
Republicano, por ter dinheiro próprio para
bancar a campanha e pelo foco na imigração e no
trabalho relacionado ao livre comércio, assuntos
que há séculos permeiam as preocupações e
valores do povo americano. Ao focar nesses
assuntos, Trump ganhou os votos que precisava
para ser eleito.
Os temas, que tratam de conjunturas nacionais
e internacionais, reúnem um crescente público
interessado no resgate histórico e nas reflexões
apresentadas pelos professores e, com certeza, nos
debates que se seguem às palestras programadas,
às sextas-feiras, até o final de novembro: dia 9 de
novembro, “A atualidade do desenvolvimentismo
no caso brasileiro”, com o professor Eduardo
Figueiredo Bastian; dia 23 de novembro, “As
evoluções da política externa brasileira”, com a
professora Cristina Soreanu Pecequilo; e a última
palestra do ciclo, em 30 de novembro, “Mudança
estrutural na economia brasileira recente”, com o
professor Fabio Perácio de Freitas.
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