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Quando o jornalismo perde a razão
Todos temos alguma noção que, ao se tratar de tragédias, a mídia e o jor-
nalismo não contam com a sensibilidade. Por que isso?
Isso é um problema? Como resolver?
Por Beatriz Fonseca
Atualmente, todos temos fácil e rápido
acesso à informação do que acontece no mun-
do. Nesse exato momento em que você está
aqui lendo essa reportagem, variados conte-
údos estão à sua disposição a todo segundo.
Mas, essa agilidade só é possível porque al-
guém está correndo contra o tempo para achar
uma notícia digna de primeira página. Essas
notícias são as que todos querem e precisam
saber, são as novidades do mundo mais impor-
tantes para a vida do público. E todas elas con-
tam com o seguinte estilo de manchetes: “Es-
tudante que testemunhou massacre da praça da
Paz Celestial divulga fotos ocultas por três dé-
cadas”; “Ataque israelense de mísseis mata ao
menos 10 combatentes na Síria”; “Mortes por
policiais têm alta em São Paulo”. Você conse-
gue ver o padrão? Os temas recorrentes são as
tragédias em que muitas pessoas morreram. E,
afinal, quem é o responsável pela matéria im-
pressa (ou virtual), que todo o país, ou até mes-
mo todo o mundo, fica sabendo? O repórter.
A sede por acidentes trágicos é histó-
rica, visto que o jornalismo, semelhante ao
que conhecemos hoje, nasceu em tempos de
guerra com o objetivo de descrever o desem-
penho dos soldados nas trincheiras. Porém,
eles só apresentavam o ponto de vista do jor-
nalista quanto ao desenvolvimento da guerra,
o que resultou no surgimento de diferentes in-
terpretações do que estava acontecendo que
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competiam entre si em prol da audiência, a
qual foi proporcionalmente fortificada com o
aumento dos jornalistas. Tudo isso resultou na
analogia de conflitos e tragédias com uma “mer-
cadoria” extremamente lucrativa. Nesse mo-
mento, as mortes se tornam números e, quanto
mais números, maior a repercussão popular e
mais dinheiro e popularidade ganha o jornalista.
Atualmente, chega uma notícia de que
uma barragem caiu, de que houve um massacre,
de que centenas de pessoas morreram e os jorna-
listas já estão com microfones e câmeras a pos-
tos, além de gravadores e todo tipo de pergunta:
“Muito choro? Você ficou emocionada?
A senhora estava procurando o seu marido? A
senhora tentou ligar? E qual foi a notícia que os
patrões do seu marido deram para você?” (repór-
ter Isabela Scalabrini entrevistando mulher que
perdeu o marido na tragédia de Brumadinho).
Dia 25 de Janeiro deste ano, a barragem
de Brumadinho se rompeu, deixando várias
pessoas, animais e vegetação soterrados, e
muitos outros sem suas casas, famílias e bens.
Na tentativa de cobrir o acontecimento antes
de outros jornais, a repórter Isabela Scalabrini
vai em busca de alguém para relatar o tinha
acontecido exatamente. Para tanto, a jornalista
chega ao IML, onde pessoas estão em choque
e psicologicamente abaladas com o inciden-
te, e as enche de perguntas sobre as mortes.
Essa foi uma atitude de acordo com a ética?