INTERPRESS (Junho, 2019) | Page 30

saiba mais: MUNDI PRESS Quando o jornalismo perde a razão Todos temos alguma noção que, ao se tratar de tragédias, a mídia e o jor- nalismo não contam com a sensibilidade. Por que isso? Isso é um problema? Como resolver? Por Beatriz Fonseca Atualmente, todos temos fácil e rápido acesso à informação do que acontece no mun- do. Nesse exato momento em que você está aqui lendo essa reportagem, variados conte- údos estão à sua disposição a todo segundo. Mas, essa agilidade só é possível porque al- guém está correndo contra o tempo para achar uma notícia digna de primeira página. Essas notícias são as que todos querem e precisam saber, são as novidades do mundo mais impor- tantes para a vida do público. E todas elas con- tam com o seguinte estilo de manchetes: “Es- tudante que testemunhou massacre da praça da Paz Celestial divulga fotos ocultas por três dé- cadas”; “Ataque israelense de mísseis mata ao menos 10 combatentes na Síria”; “Mortes por policiais têm alta em São Paulo”. Você conse- gue ver o padrão? Os temas recorrentes são as tragédias em que muitas pessoas morreram. E, afinal, quem é o responsável pela matéria im- pressa (ou virtual), que todo o país, ou até mes- mo todo o mundo, fica sabendo? O repórter. A sede por acidentes trágicos é histó- rica, visto que o jornalismo, semelhante ao que conhecemos hoje, nasceu em tempos de guerra com o objetivo de descrever o desem- penho dos soldados nas trincheiras. Porém, eles só apresentavam o ponto de vista do jor- nalista quanto ao desenvolvimento da guerra, o que resultou no surgimento de diferentes in- terpretações do que estava acontecendo que 30 competiam entre si em prol da audiência, a qual foi proporcionalmente fortificada com o aumento dos jornalistas. Tudo isso resultou na analogia de conflitos e tragédias com uma “mer- cadoria” extremamente lucrativa. Nesse mo- mento, as mortes se tornam números e, quanto mais números, maior a repercussão popular e mais dinheiro e popularidade ganha o jornalista. Atualmente, chega uma notícia de que uma barragem caiu, de que houve um massacre, de que centenas de pessoas morreram e os jorna- listas já estão com microfones e câmeras a pos- tos, além de gravadores e todo tipo de pergunta: “Muito choro? Você ficou emocionada? A senhora estava procurando o seu marido? A senhora tentou ligar? E qual foi a notícia que os patrões do seu marido deram para você?” (repór- ter Isabela Scalabrini entrevistando mulher que perdeu o marido na tragédia de Brumadinho). Dia 25 de Janeiro deste ano, a barragem de Brumadinho se rompeu, deixando várias pessoas, animais e vegetação soterrados, e muitos outros sem suas casas, famílias e bens. Na tentativa de cobrir o acontecimento antes de outros jornais, a repórter Isabela Scalabrini vai em busca de alguém para relatar o tinha acontecido exatamente. Para tanto, a jornalista chega ao IML, onde pessoas estão em choque e psicologicamente abaladas com o inciden- te, e as enche de perguntas sobre as mortes. Essa foi uma atitude de acordo com a ética?