E é justamente por isso que Ordet é o mais harmonioso e singelo dentre aqueles que se propõem a falar de Deus no cinema .
Desde o principio , o realizador atribui dois elementos que vão percorrer a obra até o final : o extra campo e planos mais abertos . Essas escolhas estilísticas feitas por Dreyer parecem estranhas a principio , mas tornam-se compreensíveis quando consideradas em conjunto com a história que o autor quer nos contar . A trama trata de fé , religião e ressurreição , e não poderia ter sido elaborada de maneira tão graciosa se não fossem por estas escolhas .
O ritmo em Ordet manifesta- -se pelo relógio localizado na sala , e é por ele que sentimos a presença do tempo , uma vez que o pulsar das batidas percorre toda a trama . Essa fixação com o tempo em Ordet traz a nós um sentimento de espera , ele simboliza a morte de Inger quando seu marido vai a ele e suspende as batidas , declarando o horário da morte de sua esposa , e retorna somente no final , depois de Johannes despertar a esposa do irmão , quando Anders caminha em direção ao relógio e o ajusta para o horário atual . A obra encerra-se com a frase de Mikkel , “ Agora a vida retorna a nós ”, sugerindo assim a morte momentânea da família junto com a de Inger e a ressurreição de todos com a volta dela .
A composição estílistica em Ordet é bastante peculiar . Pela maior
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parte da obra , Dreyer deliberadamente utiliza uma série de artíficios que , inicialmente , são bastante atípicos , como a não utlização de closes e planos e contra-planos que estão , em grande parte , ausentes no filme . Outro aspecto particular de Ordet é que a ação e os conflitos não se diferem no decorrer da obra e a evolução da narrativa só existe porque os artíficios utilizados por Dreyer e a trama trabalham tão perfeitamente em sincronia a ponto da trama e o estilo tornarem-se um só até o final da obra .
Essa estruturação pode ser exemplificada com o início do filme . Logo após sermos apresentados a fazenda , vemos Johannes caminhando em direção a um pequeno morro . Se levássemos em consideração determinadas regras , especularíamos logo de início que o filme desenvolveria o passado e os motivos que levaram Johannes à loucura . No entanto , depois de Johannes recolher-se em seu quarto , somos apresentados às preces não atendidas de seu pai e ao fato de que Anders , filho mais novo , se vê apaixonado por Anne , filha do alfaiate que tem uma religião diferente da família . A partir daí , toda a trama gira em torno dos dois patriarcas e de uma possível reconciliação entre os dois , até que Inger cai misteriosamente doente e acaba por perder seu filho e morrer . Essa elaboração do enredo implica a espera exercida por cada um dos membros da família
Borgen para que os problemas que são levantados encaixem-se em seus determinados lugares . Deste modo fica clara a intenção de Dreyer de desenvolver seu estilo totalmente em sincronia com a trama do filme .
Ordet também chama a atenção para a importância e a veracidade do extracampo , mais uma vez em conjunto com a extensa duração dos planos . A utilização do extracampo permite a Dreyer revelar os personagens ocupando determinados espaços de maneira gradual . A não utilização do plano e contra- -plano tem uma relação direta com o extracampo empregado pelo realizador . É justamente por querer ocultar do público quem tem o poder da oração durante as cenas que , no decorrer da obra , Dreyer nos deixa à deriva dos rostos em primeiro plano para dar valor à palavra mais do que à expressão , nos mostrando que nem sempre o que vemos é o que temos . Esses dois recursos trabalhados pelo realizador declaram a habilidade de Dreyer em conseguir moldar um universo no qual a composição e a trama caminham lado a lado , deixando a certeza de que mesmo aqueles que não estão em cena possuem uma força tão grande quanto aqueles que ali estão .
O extracampo também é bem utilizado nos momentos em que Dreyer segue um personagem para revelar outro . Na cena em que Mikkel retira-se do quarto para pegar um balde isso fica claro . O corte
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seguinte a esse mostra Karen acendendo a lamparina na mesa e Mikkel entrando pelo lado esquerdo do quadro indo em direção à cozinha . Depois de uma conversa com Morten , Mikkel deixa o quadro e passamos a seguir seu pai que vai em direção à mesa , expondo a presença de Johannes sem sabermos ao certo há quanto tempo se encontra ali .
Até o desfecho da obra , o realizador faz uso da composição de planos longos associado à movimentação dos atores no quadro e fora dele também , entretanto , no momento mais importante do filme , Dreyer recorre ao cinema clássico para trazer à tona a tão esperada graça de Deus . Ao omitir a utilização de certos artifícios fílmicos mais convencionais pela maior parte da trama , Dreyer escala o potencial de impacto reservado para o final a um outro nível , deixando claro que , tratando- -se do estilo empregado pelo autor no decorrer do filme , o estranho se torna familiar , e quando o familiar é então utilizado ele se torna estranho , gerando uma comoção muito maior para com o feito realizado por Johannes . Essa mudança tão repentina invoca toda a dramaticidade esperada , por todos , para o desfecho milagroso . Os planos mais próximos e os planos de reação frente ao milagre nos deixam bestificados e maravilhados com o que acaba de acontecer . O impacto suspende qualquer necessidade de fala